30.8.13

A esperança insiste



Agenda o compromisso
Não quer faltar

Mas tem o estúpido hábito
De sempre se atrasar

29.8.13

O silêncio



Pode ferir mais que o grito
O aceite calado
Corrói mais que o conflito

28.8.13

Prometi



Que não te deixaria
Sem resposta
Nunca

Mas como responder a qualquer coisa
Se só temos certezas
E nem ao menos uma pergunta?

27.8.13

Nunca (de novo) estive tão só



Secou-me a boca
Racharam-me os lábios
Órfãs e feridas estão minhas mãos
Meus olhos só encontram o vazio
Não têm mais razão para o brilho

Asas cortadas
Voo frustrado
Estradas bloqueadas
Joelhos quebrados
Pés no chão fincados

O sentimento dobrou-se sobre si mesmo
Sem nenhum preparo e ouvindo escalabros
Foi empurrado goela abaixo
Trancado com correntes e cadeado
De segredo indecifrável

Mais uma vez o amor foi condenado
A viver no coração confinado
Respirando um ar viciado
Com os pulsos amarrados
E comendo o que lhe é dado

26.8.13

Resgatar-me



Para estar entre os vivos
Depois de tantos milênios
Foi repetir o erro de Pandora
Minha desmesurada violência
E capacidade de causar catástrofes
Antes seguramente aprisionados
Agora circulam livremente
Por terras que nunca precisaram defender-se
Não há como conter tamanha crueldade
Nenhum ser vivente
Tem forças suficientes
Para encarcerar-me novamente
As tempestades
Terremotos
E incêndios que causo
Continuarão ocorrendo
Enquanto eu estiver em liberdade
E se não foi desprezada
Recorra à caixa
Examine bem o seu fundo
E se a esperança ainda tiver pulso
Tente desperta-la
Convença-a a retornar ao mundo
Será esta a única chance de um futuro

23.8.13

De dia



O céu é dos pássaros

À noite
Voamos

Exercitando o que aprendemos
Com estes antigos dinossauros

Haiku inspiration 28

Trina trina trina
Meu poeta passarinho
Tri tri tri ri ri 

22.8.13

Este sopro



Quente e salobro
Que sorvo de tua boca

Nas noites de maré revolta
Me faz mover veleiros

Cruzando oceanos inteiros
Orientado apenas por estrelas

Até o único porto
Aonde mora o amor verdadeiro

Conhecido ancoradouro
Terra mais que segura

Passado
Enquadrado em grossa moldura

Presente
Coroado com louros

E a esperança de um futuro
Ainda mais glorioso

21.8.13

Seria melhor



Que se pudesse eliminar de vez
Os vestígios de alguém que se foi

E mesmo que se mantenham abertas portas e janelas
Não sabe mais como voltar

O outro lado da cama
Com um serrote separar

O lugar na mesa
Com mais panelas e travessas ocupar

A metade do armário
Apenas com minhas próprias coisas entulhar

Silenciar o eco do riso
Que ainda preenche todo o edifício

Esquecer de vez a delicadeza do toque
O calor intenso e sempre tão bem-vindo

Apagar esta imagem tatuada na retina
Holograma que projeto em cada canto ou esquina

Espectro fugidio que numa busca inútil
Me faz correr de forma contínua

Que não permite o alcance
Mantendo uma cruel distância que só escraviza

20.8.13

No inverno



Dormir sozinho
É deitar sobre um granito
Cinzento e frio
E sentir o que sentiu
O anjo caído
Aquele mesmo
A quem
Um seu igual
Num dado dia
Armado de uma implacável espada
Expulsou do paraíso
Mas não farei como o maligno
Que não resistindo ao sofrimento
Resolveu vingar-se pelo oposto
Aquecendo seu novo lar
Com toda a gama de extremos
Condenando os fracos
A rios de lava fervente
Poços com águas fumegantes
Vapores ácidos escaldantes
Odores de podridão e enxofre
Carnes se desfazendo
Gritos lancinantes
Lágrimas de desespero
Inúteis arrependimentos

19.8.13

Vi



Que o poema que fiz para ti
Teve apenas uma serventia
Evitou que fosse manchada a mesa
Com o vinho
Que por fora da garrafa escorria

16.8.13

Se um dia achar



Que o nosso amor tinha prazo
Expirou a validade
Que mudou de aspecto
Não é possível a reciclagem
E de todo este material estocado
Quiser mesmo se livrar

Seja consciente
Não o descarte em qualquer lugar

Dê mais uma chance
A este artesão dos sentimentos
Sou sempre carente de matéria-prima
Tenho montada uma boa oficina
E minhas habilidades em reaproveitamento
A qualquer momento poderei demonstrar

Aceito toda a pilha
É só vir aqui e despejar

15.8.13

Desejo que alguém



Dentre as múltiplas tarefas que tem
Seja capaz de esquecer
Apenas de uma
E por um tempo
Não muito pequeno
Desta falha não tome conhecimento

Que dure só mais um pouco
A luz deste nosso encontro
Que fique e não se dissolva
O manto prateado
Que nos mantém assim
Tão bem agasalhados

Lua
Fique quietinha
Faça-se de desentendida
E não se apague ainda

Sol
Seja bem-vindo
Mas ao menos por hoje
Atrase-se só um pouquinho

14.8.13

És linda



Quando refazes a linha do tempo
E sem cobrares pelo que fomos
A nada me obrigas

És linda
Quando te perdes
Em explicações inúteis
Já quase todas sabidas

És linda
Quando me prometes
Toda a eternidade que há
Entre quatro paredes contida

És linda
Quando sem roupas
Dispensando lençóis
À meia luz te abrigas

És linda
Quando me chamas para a luta
Te entregas desarmada
E num tapete de nuvens viajas faminta

És linda
Quando saciada
Entre travesseiros desfaleces
E voltada para a lua silenciosamente uivas

13.8.13

Quem se opõe ao amor



Já entra na arena derrotado

A ele não se consegue alvejar
Não pode ser cortado
Seus gritos não há como calar
Não sangra ao ser transpassado

Não se deixa imobilizar
Seus dentes são mais que afiados
É assustadora a força do seu olhar
Faz abalar a coragem dos mais ousados

Amor não se compra
Não se rouba
Não se troca
Como a uma armadura rota

Quem ama sucumbe a um poder maior
E não importa a condição
Acaba por se render
À força do coração

Nele se afoga
Dele se lambuza
E mesmo resistindo com bravura
Sempre perde a luta

Até que por fim (sem fôlego)
Satisfeito e saciado
Cumprimenta e agradece ao adversário
Antes de retirar-se do cercado

12.8.13

Tenho algum poder



Sobre a vida
Sobre a morte

Mas não tenho
Poder algum
Sobre o meu querer
 
Livre alma minha
Questão de sorte

9.8.13

De dia



A sede da lembrança
Nos castiga

À noite
Nos afogamos um no outro

Incomodados com o fantasma
De uma ampulheta maldita

Que esgota sua areia
Antes que nos sintamos saturados

Sem que todo o vinho
Tenhamos tomado

Que interrompe nossa subida
Ainda com o topo não escalado

Que nos impede de extrair toda a seiva
De cada beijo roubado

E não nos permite desfrutar mais
Do baú que continua cheio

Com um bom acervo
De carícias e devaneios

8.8.13

Não é justo



Que mereças todo o carinho do mundo
E em troca recebas
Apenas incompreensão e desprezo
Dentro do teu próprio ninho

Não foi para isto que cruzaste oceanos
Buscando em terras tão distantes
O amor verdadeiro
E o juntar dos trapinhos

O inverno já se mostra e a que veio
Temos que dar mais uma chance
Ao que de bom ainda temos
Precisamos de um outro recomeço

Mas desta vez seremos só nós
Agora é o momento
Segura em minha mão
Migremos

7.8.13

Hoje me sinto



Tão feliz como uma hiena faminta
Que atraída pelo aroma da carniça
Anda quilômetros na escaldante savana

Tão seguro como uma lebre atrevida
Que rouba a cenoura no escuro
Cuidando que não a peguem no pulo

Tão saciado como um cão sarnento
Que busca comida nas lixeiras imundas
E se vê recompensado com restos azedos

Tão confortável como um pinguim desorientado
Que seguindo cardumes se vê em águas quentes
Não entende aonde está e se terá como retornar

Tão de bem com a vida como uma raposa em fuga
Que no bosque ouvindo o som das cornetas e da matilha
Tem seu destino revelado de forma súbita

6.8.13

Não ames só a mim



Se não o quiseres
Mas entre estas quatro paredes
Estejas apenas aqui
Se assim o puderes

5.8.13

Não há como se libertar de um amor



Sem sofrimento

Enquanto por inteiro
Ele não se apresentar

É a única chance que tem
De esgotar-se de maduro

Apenas em boa lembrança
Se transformar

E como parte de um acervo
Na estante

Junto aos que vieram antes
Passar a morar

2.8.13

Ter saudade só é bom



Para quem não sente dor

Não se importa
Com a ausência do toque
Do beijo
Do calor

Dor
Adie a sua visita
E por favor
Permita que eu siga
Inundado apenas pela saudade
Desfrutando de seu sabor

1.8.13

Se é fogo o que arde



Para que tantas cobertas?

Já é tarde
O inverno ronda a nossa casa
Busca frestas
Bate à porta
Insiste
Quer se abrigar

Fiquemos aninhados
Permaneçamos juntinhos
Pois morada aqui
Ele não há de encontrar