27.4.17

É mais natural chorar do que rir


Todos choramos ao nascer
Ao nascermos o preocupante é não chorar
O choro nos faz sobreviver

Mas para rir é preciso aprender
Ter alguém que nos ensine a enxergar
O lado bom de viver

26.4.17

Cada vez mais obsoleto


Mais sucateado
Mais desnutrido
Craquelado pelo sol

Cada vez mais triste
Mais ardido
Mais desinteressado

Cada vez mais fraco
Mais intragável
Mais desorientado

Homem dos trópicos
Sobrevivente teimoso
Perdido no tempo e no espaço

Sem expectativas no mundo globalizado
Alheio à tecnologia
Esperando apenas o momento de ser deletado

25.4.17

Sol


Estrela única num circo de forças
Onde a regra é o obscuro
Maestro que orquestra o conjunto
Planetas em órbitas que se cruzam
Satélites em números imprecisos
Cometas, meteoros, partículas de todos os tipos
Há milênios em movimento
Sob a batuta de um regente inflexível
E só por isso guardam uma lógica em suas trajetórias
Ainda que aparentem ser livres e sozinhos
Não têm escapatória
Quando o rei se apagar
Acabarão todos engolidos

24.4.17

Amor com amor


Um outro amor
E ainda mais amor
Por um certo tempo
Na balança
Pode até pesar.
Mas aí a carga se espalha
Tudo se acomoda
E lentamente
Os pratos voltam a se equilibrar.
Num mundo de tantos conflitos
Amor não é algo
Que se deva rejeitar
Com ou sem requintes
De todos os matizes
Amor verdadeiro
É sempre bom
Quanto mais melhor
Amor só faz somar.

20.4.17

Lá fora


Cada vez mais perto
Recomeçam os bombardeios

Enquanto aqui dentro
Desaparecem as últimas esperanças de continuar vivendo

Não é fácil abdicar de tudo
Para aquele que há pouco se achava dono do mundo

E agora, só queria continuar respirando
Apesar da poeira densa que sufoca este cômodo

Só queria continuar enxergando
Apesar do blackout que se seguiu ao último flash luminoso

Só queria continuar ouvindo
Apesar do zumbido deixado pelos explosivos

Só queria continuar como um ser inteiro
Apesar do corpo soterrado pelo entulho no desabamento

Só queria continuar existindo livre deste horror
(Não me interessa mais nem mesmo o amor)
E que a morte venha breve me libertando desta dor

19.4.17

Mesmo que a cabeça viaje


E às vezes se perca no caminho
Moro aonde dormem meus chinelos
Ainda que guardados no escaninho

18.4.17

A verdade que até ontem era sólida


Está agora reduzida a uma nuvem de dúvidas
O que parecia claro e indestrutível ainda há pouco
No futuro pode não passar de uma vaga lembrança

Aconteceu justamente o que eu mais temia
Sem perceber fui tirado de sua vida
E contra isso eu nada pude fazer

E agora com o olhar encharcado
Fixo na alternância hipnótica das cores no semáforo
Para-brisa embaçado e sem clareza dos porquês

Me vejo suando frio mãos grudadas no volante
Querendo acionar a seta
Mas impedido de retornar pra você

17.4.17

Houve um tempo


Em que não cansávamos de professar juras de amor
E confidenciar um para o outro
Absolutamente convencidos
De que não conseguiríamos viver um segundo
Se não estivéssemos unidos

Mas o tempo é implacável
E no dia a dia
Castigados pelas rotinas
Fomos nos distanciando
Sem avaliar bem as consequências disto

E pela sucessão de acontecimentos
Cada vez mais imediatos
Seguimos ofuscados
Pensando apenas em apagar incêndios
E honrar aquilo que nos era exigido

Empenhamos energia demais em coisas que não mereciam
E hoje, embora juntos, nos sentimos mais do que nunca sozinhos
Perdemos muito da intimidade que tínhamos e do nosso colorido
Nem nos lembramos mais do antigo compromisso
E continuamos tocando a vida sem a certeza de ainda estarmos vivos

13.4.17

Castelos de areia


São efêmeros
Não são feitos para durar
São experimentos
Ensaios sem compromisso com o tempo
Exercícios estéticos
Que comportam riscos
Erros e acertos
Às vezes são grotescos
Outras até que bonitinhos
É bem verdade
Mas sem muitos encantamentos
Servem apenas para testar habilidades
Ou registrar algo num dado momento
O trabalho conjunto de pais e filhos
Um concurso
Um passatempo tranquilo
Numa tarde de domingo
Mas já se sabe desde o início
Que não estarão mais lá no dia seguinte
Pois não tem como resistir às marés
Às chuvas torrenciais
Aos ventos
E não há nenhum problema nisso

12.4.17

Mais triste


Que sofrer de amor
Por alguém que não te quer

É não ter experimentado na vida
Um amor sequer

11.4.17

Chega de conviver calado


Com o medo mal disfarçado
De um dia voltar pra casa
E saber por um bilhete
Deixado sobre a mesa da sala
Que não terei mais você ao meu lado

10.4.17

Esbarrar nas esquinas


Machucando-se pra valer
Colecionado feridas
Pode ser uma tentativa
Não percebida
De resistir à mudança
De algo grande em nossas vidas

7.4.17

Mais uma vez sonhei que me chamavas


E como qualquer homem
Vitimado por uma paixão desenfreada
Num instante eu aí estava.
Em frente à porta me esperavas
E com a intimidade conquistada
A tão duras penas
Dispensando palavras
Beijei-te a boca
Tomei-te nos braços
E como tantas vezes no passado
Repetimos o ritual
Já tão bem ensaiado
Com música de fundo
Seguimos para quarto.
Tomamos vinho
Comemos frutos
Nos divertimos muito
E isolados do mundo
Nos amamos sem pressa
Até sermos alertados pelo dia
Com seus primeiros raios.
Era o nosso ultimato
E como sempre acontecia
Dormindo calmamente
Eu te deixei sozinha
E saí silenciosamente
Ofuscado pela luz matutina
Para voltarmos às nossas rotinas
Reabastecidos de amor
Temporariamente saciados
E felizes com nossas vidas

6.4.17

Na natureza


É assim que as coisas funcionam
Inicialmente os lobos
Não procuram o confronto
Não encaram
Veem sem dar a entender
Que estão olhando
Circundam a presa
Testam sua guarda
Acham um espaço
Penetram e atacam
Com a certeza
De que o embate
Será breve
E logo vai se resolver
Afinal, serão eles ou você

5.4.17

Desta vez agora é tarde


Na verdade
Quer dizer
Que deste amor
Nada mais
Poderás ter

4.4.17

Achas que não sofri


Só porque não me viste chorar?
Gritei entre quatro paredes
Desmoronei muitas vezes
Fiquei sem chão
Quase morri
Tive vontade de sumir
Não podia acreditar.
E isso aconteceu
No exato momento
Em que entendi
Sem querer aceitar
Que nada é para sempre
Que era chegado o nosso fim
E que o teu olhar
Para trás
Nunca mais iria se voltar.

3.4.17

Escrever me ajuda


A romper silêncios
Exercitar delicadezas
Provocar de forma explícita
(Ou com sutilezas)
Testar reverências
Proteger sentimentos
Degustar ainda mais teus beijos
Eternizar abraços
Interpretar teus cheiros
Detalhar carícias
(Sempre tão lascivas)
Hierarquizar malícias
Inventariar teu corpo
Não aceitar esquecimentos