31.3.09

Découverte


(para Florbela Espanca)

Ouro
Nos olhos
Na pele
E um (misterioso)
Vale dourado

A incansável busca pelo
Ouro

30.3.09

Sebe


O mar
Abraça a ilha
Não há como escapar

Aceite este abraço
Você ilha
Eu mar

18.3.09

Pausa necessária



Recesso para balanço.
Voltarei em breve
(espero).
Beijos

17.3.09

Haiku inspiration 11


Ronca o bugio
Betoneiras em botão
Desabrocharão

16.3.09

Perdão


Nada
É mais reconfortante
E libertador
Que o perdão

13.3.09

Salvações beethovenianas


Do carro
Vejo uma São Paulo atonal
Chuva e trânsito
O ritmo e o andamento
Tangenciam o caos

A atmosfera confusa
Aumenta a angústia
Pela condição paralítica
E revigora os demônios amotinados
Que a cabeça
Insistem em dominar

Chega a noite
E o violino-para-brisa
Não consegue clarear
A desfigurada Paulista

Motociclistas alucinados
E dissonantes buzinas
Conduzem com fúria
Suas montarias
Serpenteando carros
E desenhando impossíveis caminhos

No rádio
A Pastoral soa
Em surreal contrataste

Mais uma
Meia hora
E nada se move

Sob o viaduto
Grafites e borrões grotescos
São enfiados garganta abaixo
Mesmo sem querê-los

A Quinta se inicia
E parece ativar as locomotivas
Que se movimentam
Em uníssono bloco

Tudo para
Logo à frente
Parar novamente

Lá fora
Não há mais entendimento

Começa a Nona
Bálsamo oportuno
Só me resta agradecer ao criador
Por tão preciosa herança
Dois séculos nos separam
E como me mantém lúcido
Esta sua música
Na insana travessia diária
Da volta para casa

12.3.09

Resultação


O vinho
É um ser vivo
Traz consigo as lembranças

De todo sol
Frio e chuva
Que enfrentou a uva

Do solo
Que lhe deu corpo e sentido

Da sabedoria e tempo
De quem dedicou a vida ao engenho

11.3.09

Urban ornithologic observation


Atacado por pardais
Um gavião voa em desembestada fuga

Agredido por todos os lados
Não consegue se desvencilhar

Até mesmo os pássaros
Estarão com seu comportamento alterado pela urbanidade?

Ou será que bicos e garras
Não assustam mesmo a mais ninguém?

No meu tempo não era assim

10.3.09

Haiku inspiration 10


(para Millôr Fernandes)

Da cama vejo
Lagartixa no teto
Se fosse inverso?

9.3.09

Ajustamentos


Falo
(a)
Baixo

Como
(um pouco mais que)
O necessário

Instinto
Saciado

6.3.09

Alicerce


Os novos que me perdoem
Mas o tempo é escasso
Ler o que surge a todo momento
É a cada dia mais raro

Os anos pesam
E uma urgência me invade
Medo de ser surpreendido pela morte
Talvez
Imperiosa iminência

O fato é que só consigo me ater ao que gosto
E preencher as lacunas
Do que não vi e julgo necessário
Por isso mergulho o mais fundo que posso
Nos clássicos

5.3.09

Espiralidades


Cabelos
Depositam-se lentamente
Por sobre o ralo

Retém a água
Carregada de impurezas
Que com o tempo
Se cumula
E apodrece

É preciso estar atento
Todo o tempo

Ao fim de cada banho
As sobras devem ser recolhidas
E o chão mantido
Seco

O livre fluxo
Favorece a sanidade

4.3.09

A maior das tiranias


Depois de ver tão dantesco cenário
Caí para trás e me arrastei
Para longe do penhasco

Corri o mais que pude
Sem mesmo escolher o caminho
Até que tua mão pegajosa
Não mais me alcançasse as costas

Ouvia-te urrar ao longe
Zunindo a foice e proferindo impropérios
Era tarde enganei-te outra vez
E ainda ofegante parei de tremer

Desvencilhei-me de teu visgo
Não por acaso ou astúcia
Foi puro susto
Pavor de ter o pescoço laçado

Esta união um dia há de se consumar
É a única certeza que se tem
Sei que existe e até onde está

Quero manter-te distante até quando puder
Pois sozinho estou seguro
A menos que pela frente me surja um muro

3.3.09

Oriental fantasy


Minha mão espalmada percorre o veludo
De tuas costas claras
Papel de arroz
À espera do traço sumi-e

Sons entorpecidos e distantes
Levados pela brisa matutina

Luz refletida nos pequeninos diamantes
Gotículas de orvalho
Salpicando a tua textura

Brinco de tirá-los da solidão unindo-os
Mas na junção se tornam fluidos
E se perdem por entre teus sulcos

Um único bambu estendido do norte ao sul
Com gomos macios e nódoas salientes
Flexível a quase nó
Sustenta sem dor esta seara rara

O monte no fundo da tela se revela dobrado
Em seu vale veredas abrigam
O pássaro sagrado
Que canta a mais bela das melodias

Enquanto isso
A água límpida
Escorre
Sobre a pedra lisa

Na melhor das tradições
Garantiu-se a vida

2.3.09

Haiku inspiration 9


(para os Dib/Gassen - a propósito de nossa visita ao zoo)

Espelholago
A garça baila o butô
Ri a cigarra

Lagondulado
A cigarra se cala
Peixe arpoado

Chuviscolago
Solam garça e cigarra
Novo cenário