31.3.10

Ando com a cabeça imóvel


Como aquelas mulheres
Que caminham por longas distâncias
Levando no alto do corpo um pote

Como as modelos de passarela
Que treinam a elegância do passo
Com um livro cuidadosamente equilibrado

No meu caso assim me mantenho
Para não derramar fantasias e sonhos
Não deixar que me escapem pensamentos

O que surge em minha mente é frágil e efêmero
Precisa ser passado em palavras enquanto há tempo
Não resistiria à queda e aos ventos

30.3.10

Te peço perdão


Por esta minha mão desajeitada
Que teima em não atender aos apelos da razão
E se mostra sempre tão entusiasmada

29.3.10

Na madrugada


Quando tudo está calmo
Se me acordas de surpresa

Colaboro como posso
Em respeito à natureza

Digo ao relógio (com arma em punho)
- Ponteiros ao alto!

A vida não espera
Isto é uma emergência

26.3.10

Haiku inspiration 20


Faísca cadente
Viajando na retina
Estrela perdida

25.3.10

Em noite de lua cheia


Jasmim se confunde com estrela
Brilhando no mesmo pano de fundo

O aroma sólido da flor
Denuncia a diferença

24.3.10

Como a mais bela das musas


Ela se apresenta docemente
Dizendo-se virgem e pura
Do amante entorpece a mente
Em névoas de sonho aromas e brancura

Só se reconhece em perigo
Quando com ela se deita
Pois consegue ver com espanto
Os pés caprinos sob o longo lenço
Que lhe cobre a irretocável silhueta

E quando com a boca
Ela busca a sua boca num feroz repente
Percebe já tomado pelo pavor
A podridão do hálito sepulcral
Que invade o ambiente

Foge em desespero
Desvencilhando-se de amarras e visgos
Busca uma saída para o pesadelo
Enquanto ainda pensa estar vivo

23.3.10

Minha vigília


Repousa serena
Não quer incomodar a ninguém

Ainda vive atenta
Ao que ontem sonhou

22.3.10

Olho para a minha infância


Com um misto de tristeza e saudade
Não sei porque se cresce
Crescer não deveria depender da idade

19.3.10

Quando frente a frente nos encontramos


Juntos
Nem sempre estamos

Seu olhar
(Por mais triste que possa ser)
Não deixa dúvida

Em mim não se prende
Atravessa toda a minha estrutura

E na distância vaga se perde
Busca

18.3.10

Do humano


Protótipo
Mal construído
Longe ainda de conclusão

Tendência inata ao deformismo
Pensamento limitado
Ao alcance da visão

Ações que já nascem cegas
Sentimento elaborado sobre vestígios
Agente da escuridão

17.3.10

De mim não saio mais


Desisto
De tentar alcançar-te

Pois quando o faço
Uma dor ferruginosa me invade

Engrenagens engripadas
Ao movimento há muito desacostumadas

16.3.10

És fêmea ferida


Urras
Com ferocidade tão ferrenha
Que a terra estremece

Gritas
Até romperem-se tímpanos
Quando a dor é extrema

Não te humilhas
Morres sangrando
Mantendo na luta a grandeza

15.3.10

A grande mãe do universo


Se faz presente
Em tudo que existe

Alimenta inumeráveis bocas
Com suas tetas imensas

Colossal jorro leitoso
A repletar o cosmos

Fluxo imperioso de vida
Que a todos com seu branco uniformiza

12.3.10

Haiku inspiration 19


Nuvens são remendos
Que tentam vestir o céu
Fracassam chovendo

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Enquanto isso, do outro lado do mundo...

Nuvens são remendos
Tentam encobrir de branco o azul
A todo tempo
Como um imenso lençol

Quando finalmente conseguem
Escurecem e não se sustentam
Desabam em chuvarada
Por culpa do próprio peso

O céu se ri satisfeito
E comemora com o sol
Lua e vento
Mais um fracasso do vão intento

11.3.10

São apenas dois os lados da esfera


Tens a face corroída
Dilacerada por excessivas andanças em ambientes insanos
Herança de tuas pútridas companhias

Chuva ácida
A fustigar-te o semblante
Em impiedosas rajadas de vento

As cavernas onde te enfias procurando respostas
Estão vazias
Não trarão alivio ao teu tormento

10.3.10

Resultou-me em alguns dentes a menos e uma mão amputada


Não toco mais em nada
Que não tenha registro na memória
E que me inspire confiança

Já fui antes vitimado
Por serpente disfarçada de anjo
Vestida como criança

9.3.10

Quando adormecerá a noite?



Quem sabe no dia
Em que resolver despertar a manhã

Hoje a noite é clara
E os espectros se movem perdidos no nada

A manhã vive
Apenas como imagem fluida

Lembrança numa infância distante
E por excesso de luz ofuscada

8.3.10

Seus braços


Em meu tronco
São raízes
Que envolvem e detém

Estaca paralítica
Que nem mesmo se inclina

Permaneço assim protegido
Alimentado
Mas privado de outra vida

5.3.10

Quando vestes


Com
O teu corpo
O meu corpo (peregrino)

Resgatas
Do inferno
Um pecador

Me colocas
(De novo)
No caminho

4.3.10

Nas noites quentes e sem brisa


O cheiro penetrante do jasmim
Minhas entranhas escarifica
Trazendo lembranças de ti

Recuo ferido
A estancar sangramentos
Procurando (em desespero)
Outro abrigo
Alento

3.3.10

Sem alfombras ou açucenas


Se na passagem do tempo
O amor morre

O outro veste de aceite
O indeformável esqueleto

Pés-de-cabra violam portas
Que levam a lugar nenhum

Um sepulcral silêncio
Comunga no chá da tarde
Com estiagens de luz

A sede amarra as bocas
E as fazem cuspir efígies
Escaravelhos

Mãos dormentes com dedos tortos
Sem ajuda
Não conseguem perlustrar livros

Migrânea explosiva
Corpo
Que por uma guilhotina suplica

2.3.10

Infinita perspectiva


Hoje
Penso que te entendo
Ao observar
A impossível simetria (conseguida)
De teus objetos
Sobre a antiga penteadeira de espelhos

1.3.10

Dizem que



Homens são olhos
E mulheres são mãos

(Então)
Permita-me ver-te
Para melhor tocar-te

(Pois)
Ao ver-te me integro
E por tocar-te me aceitas