30.7.10

As palavras que uso

Com hercúleo esforço
Caminham cegas
Por trilhas abandonadas
Antigo acesso
Aos rincões mais secretos

O esforço tem sido inútil
Já são fracas as palavras
Não penetram mais em orifícios
Tudo lacrado por camadas superpostas
De silêncio e conformismo

Paralisada está a face
Pelo tempo vincada
Janela com grades
A separar o eremita
Da ordinária realidade

28.7.10

Tatuaste o meu nome

E a minha imagem
Em teu lindo lombo
Na beira do penhasco
Bem juntinho ao vale

Quantas vezes indo e voltando
Deparei comigo mesmo em traços sinuosos
Estilo arcaico
E direito a penacho

Mas não era confortável
Ver-me retratado
Como que um invasor
De lugar tão inusitado

Tinha a impressão de que era obrigado
Por educação
A manter com meu clone
Um diálogo forçado

E para não entristecer o ser amado
Decidia evitar o assunto
Pois tal dedicação merecia
Um mínimo de consideração

Imaginei que resolveria o caso
Se cultivasse uma pança avantajada
Para cobrir o desagravo
E evitar interferências no ato

Tudo deu certo e os anos se passaram
Sem que houvesse a necessidade
De ter que me auto-cumprimentar
Até num simples abraço

Hoje não mais nos vemos
E agora em meus momentos de recolhimento
Me pergunto se ainda estarei lá retratado
E mesmo se o intruso a outro incomoda no intercurso

O tempo transformou em saudade o estranhamento
E me fez desejar novamente
Poder vê-la de quatro
Mesmo que só por mais um momento

27.7.10

Quando a absoluta imersão

Ofusca do amor a visão
E o evidente desnudo
Deixa claro
Que só trará mágoas
E ferimentos profundos

E se só à tua mão estiver o alcance
Arca com o risco da incompeensão
Encara o medo
E faz o que tem que ser feito

Livra o teu amor do sofrimento
Ou condena-te para sempre
Por ter permitido
Que os lobos estripassem
Quem mais tem sentido em teu peito

23.7.10

Não soa mais meu clarinete

Preferiu calar-se
E deixar que os pássaros
Da música cuidassem

Liberou-me para a poesia
Fruto da vontade humana
E que dos demais seres o diferencia

Registro o visto e o pensado

Em meu limitado escaninho
E na tábua da memória
Vão sendo rotulados como
Existidos

Mas ao olhar para trás
Vejo que as mãos são poucas
Para conseguir agarrar o não visualizado
O não imaginado e todo o esquecido

Meus bolsos
Não comportam tantos seixos
E se rompem
Deixando rastros

Não há como reunir
Todos os frutos em meu cesto
Um buraco no fundo
Permite escoarem alguns elementos

Bolsos furados
Cesto de vento
Matéria frágil
Pensamento efêmero

Muitos são os mundos
(Desconhecidos a este ser apenas único)
Os nunca vistos
Os não lembrados
Os jamais imaginados

22.7.10

Não crave estas garras em meu peito

Não é dilacerando-me o corpo
Que te cobrirás com meu sentimento

Até aqui

Caminharam assim
Mãos dadas

Bem juntinhos
No caminho

Pensamento comum
Sentimento só o sentido

Sempre o silêncio
Sempre o já dito

Hoje

De nada me servem
Os predicados lunares
Como metáfora
Para o que vejo

Acordaste heliocêntrica
E delirante
Dia intenso
Luz ofuscante

Latitude e longitude juntas
Sol da meia-noite
Sombra e paralelismo
Tangente infinita

20.7.10

Enquanto dirijo...

Comida de moinho
É vento

Vestimenta de muro
É hera

Refresco de paulista
É oxigênio

Alegria de jovem
É festa

Segredo da vida a dois
É tempo

Quem nem sempre alcança
É espera (uma atitudezinha sempre ajuda)

Emoção paralítica
É monumento

Choro no nascimento
É estreia

Amor eterno
É pensamento

Cólica de homem
É diarreia

Trânsito no fim de tarde
É tormento

Bar lotado
É panaceia

Chegar em casa
É escalar um rochedo

Manter o bom humor
É esta a ideia

E fez-se o poema

Para ser livre
E poder voar a palavra

Flanar sobre terras
Já por demais pisadas

Isento de sentimento próprio
E com sentido adquirido

Alheio à história
Sem envolvimento fingido

Tudo
Deve lhe ser atribuído

Apontando-lhe um dedo
E dizendo:

Lá vai ele
Vejam como é bonito!

Baton

Com que destreza
Crias contornos
Nesta tua face recém despertada

Ato que deixa rastro
Cor e vida
Fêmea iluminada

Gesto libidinoso
Doçura no traçado
Falsa vulva imantada

Ingênuo objeto
No ápice a forma que não se repete
Glande estilizada

14.7.10

Quando por fim

Frente à frente
Nos encontramos

E pensamos que as palavras
A duras penas conseguiriam brotar

O ambiente foi completamente
Tomado por estranhos

E nada nos restou
Além de recuar

Momento como este
Talvez nunca mais tenhamos

É difícil baixar a guarda
Mas mais difícil é ter coragem
De os demônios libertar

13.7.10

Surpreendeu-me a tempestade

Um Vinícius em baixo do braço
Corpo encolhido
Cruzando ruas e esquinas
Pressa e despreparo

Cabelos molhados
Pulando poças e enxurradas
Frio na espinha
Pés encharcados

Folhas grudadas
Poemas se desfazendo
Versos a quase escorrer pelos dedos
Liquefeitos

Nem todos ainda lidos
Nem todos os lidos já absorvidos
Corro para casa
Como quem tenta salvar um filho

O Poetinha por certo comigo concordaria
Em como é frágil a poesia
Assim desfalecido e antes de ser conhecido
O verso é capaz de morrer que nem passarinho

7.7.10

Você não tem mais idade pra isto

Não deveria mais se preocupar
Com este tipo de coisas

Podem ter parecido importantes na juventude
Mas a esta altura da vida
Não valem mais o sacrifício

Restará paralisado num círculo de indagações
E sair sem sequelas
Quase impossível

É feito de fogo
Parece até que já não viveu tudo isto

Perdoem o homem

Por ter escapado
Sobrevivido ao trágico destino
Que como regra maldita
Aos seus (por eras) tem atingido

Por ter conseguido
Num lapso de tempo
Se mantido distante
E evitado o suicídio

Por ter retornado
Permitido ser de novo sugado
Envolvido no que já julgava resolvido
Puxam-no as correntes do tornozelo

Por não ter lugar definido
Gerar e estar sempre em desconforto
A tudo estranhar
E não aceitar sentimento impingido

6.7.10

Desde o início

Fui enfeitiçado
Pelo veludo dos teus olhos

Tanto fiz
Que consegui

Adentrei em tua vida
Com meu olhar de cetim

5.7.10

Nesta noite

Estavam inquietas as constelações
Profusão cadente
Chuva de luzes (ou quase)

Pontilhado incontável
Espaço ínfimo
Nenhum esbarrão

Todas com muita pressa
E todo o cuidado do universo
Levando à galope minha imaginação

Um sopro de saudade me varre

Saudade de um tempo
A cada dia mais amarelecido

Revivido em fotogramas esparsos
Turbilhão de imagens e sentimentos

Personagens familiares
E tantos já desconhecidos

Entes que se foram
Alguns para o seu merecido repouso

Lugares antes tão bem vestidos
(Que de tanto mudar)
Hoje já são outros

Não mais me servem com(o) conforto

2.7.10

Uma tristeza me invade

Quando me afasto de nossa casa

Se tenho que ir à lida sozinho
Me sinto vazio

Aí corro em disparada
Para chegar logo aonde preciso

Resolvo com brevidade
Tudo o que é de ofício

E retorno para os teus braços
Para o teu aroma gentil

Nuvens que passam

Emolduradas de azul
Oceano sem fundo

Musas
Sacras figuras
Exércitos
Em eterno esfacelamento e fuga

Abóboda de luz
Onde só o infinito
Não é efêmero

Vejo que tens

Saudades nos olhos
Raiva nos ouvidos
E angústia tatuada na língua

Também reparei
Que já não sou acordado pelo aroma do café
E que nem consegues mais (por muito tempo)
Suportar o frio do meu pé