31.1.14

O beijo só tem valor



Se quando se beija
Também se é beijado

E se o sabor
Do beijo que se recebe

É igual
Ao daquele que é dado

30.1.14

Este teu olhar



Profano e profundo
Que lê pensamentos

Me enxerga por dentro
Sabe de quase tudo

Agora só falta
Por último

Depois de tanto tempo
Usar dos meus olhos

Entender o que vejo
E como enxergo o mundo

29.1.14

Orgulho-me deste meu ombro



É a parte do corpo
Por que mais tenho apreço

Mas não por frívola vaidade
E longe de considera-lo perfeito

É que quando estou nu
E me olho no espelho

Não há como não lembrar
Que para tua cabeça serviu de esteio

Porto seguro do início do teu sono
No tempestuoso caminho noite adentro

E que a conduziu protegida
Até o aconchego do teu leito

28.1.14

Não quero que sejas como eu



E é por seres assim
Tão diferente de mim
Que me despertas
Este sentimento

E como prêmio me reservo
Total direito sobre este amor
Minha força e fraqueza
Talvez hoje meu maior defeito

27.1.14

O olho que vê



É o mesmo que pisca

A luz do farol
Não se dobra na esquina

O peixe que escapou do anzol
Preserva sua vida

Ao se lembrar da dor
E da ferida

24.1.14

Dou-te os quinze minutos



De que tanto precisas
E quantos mais queiras

Até que se torne inútil
A ampulheta

Até que se quebrem os espelhos
E me reconheças

Para que neste teu mundo de rainha
Permitas que eu entre

E na condição de sermos felizes
Contigo permaneça

23.1.14

Desobriga-te de mim



E fica livre assim
Sem te deixares agredir

Sente
Apenas o que há para sentir

E só me dês
O que puderes dividir

22.1.14

Preciso de teus olhos



Mais do que de tuas palavras

Preciso de tua voz
E ainda mais de tuas mãos

Preciso da certeza
De que este amor é matéria

Algo sólido que deixa rastros
Pistas que vou colhendo por onde passo

Diamante lapidado
Que de tanto brilho ofusca

Dificultando o encontro
Me desorientando na busca

21.1.14

Sonhei



Que tudo se resolvia

Vendo o vulto
Que te encharca os olhos

Já de costas
Deixando tuas retinas

Que a partir daquele instante
Seriam só minhas

20.1.14

O poeta é um ser desesperado



Um louco
Que não aceita ser tratado

Um inconsequente que cutuca
Tudo que por dentro possa ser despertado

Que no alto do precipício vocifera
Assustando os que estão lá embaixo

Que sangra pelo umbigo
Fazendo chover o seu mais precioso fluido

Mas que quase nunca encontra
Quem lhe dê ouvidos

Aí seus olhos injetados
Entristecem e murcham

Inofensivos se calam
Um olhar vago no infinito

O alienado percebendo-se só
Aceita seu destino

E trilha o caminho do palpável
Que o traz de volta à planície são e salvo

17.1.14

Contamos com a discrição



De uma só testemunha
Neste nosso mundo de brumas

Seu fiel criado-mudo
Observa e honra o nome acima de tudo

Segredos que entre nós três
Faz questão de guardar

Por mais que tenha vontade
De aos quatro ventos pérolas espalhar

16.1.14

Escreve



Mas faça-o como quem confessa
E não espera por perdão

Escreve
Como quem expurga o mal
E profere uma oração

Escreve
Como quem enfrenta demônios
E não teme desilusão

Escreve
Como que tomado por uma febre
E vive em eterna paixão

Escreve
Como quem quer apenas liberdade
E a conquista a cada palavra em cada exclamação

15.1.14

As águas empoçadas



Nas calçadas acidentadas
São pedaços do céu na terra

Janelas perfeitas
Que a depender de quem olha

Trazem ao alcance das mãos
Uma lua inteira

Uma infinidade de cometas
E mais que uma constelação

14.1.14

Noite de se adivinhar rostos no teto



Esperar pelo sono
E torcer para que ele não se apresse
Em me fazer encontrar o outro dia

Vasculhar antigas gavetas
Soltar os laços das fitas
De maços amarrotados

Rever velhos guardados
Lamentar ao constatar que retratos
Amarelecem e embaçam

Nas cartas de amor
A tinta diluída pelas lágrimas
Colou páginas e embaralhou palavras

Flores secas e sem cor
Cuidadosamente marcando tesouros
Em esgotadas antologias

Deixaram sua silhueta nos poemas
E não carregam mais a lembrança
De seu aroma e frescor

Sofrer
Por não conseguir
Interromper o giro da terra

Chorar
Por não ter o direito de viver para sempre
Naquela que foi a melhor das eras

13.1.14

Afortunado ser



Que sempre teve domínio
De seu próprio querer

A quem nenhuma chuva
Nunca conseguiu molhar

A vida lhe atinge em cheio
Com uma súbita tempestade

A qual não fez por merecer
Que o cerca e lhe impede de correr

Ele pensa estar sonhando
Obedece e gosta do que sente

Estranha a si mesmo
Mal consegue crer

10.1.14

O recomeço



É o término do fim

Este orgulhoso elemento
Que por tanto tempo

Convenceu
Até mesmo a mim

De que seria eterno
E jamais aceitaria partir

9.1.14

Enquanto a luz da lua



Em águas salgadas e chãos de areia
Por tuas curvas
Faz uma tão desejosa varredura

Eu no topo do mundo
Pisando pedras sob um sol absurdo
Em invejosos pensamentos me consumo

8.1.14

Quando escrevo



Entro num parque de diversões
Mais precisamente
Na galeria dos espelhos

Tudo que expresso
Sou eu
De algum jeito

Com todas as distorções
Erros e abominações
A que tenho direito

O mais difícil é decidir
Qual desses eus
Mais me causa medo

Se os que por suas aberrações me fazem rir
Ou este que me olha sério
Enquanto me barbeio

7.1.14

Conversamos



Por horas a fio
Sem qualquer assunto
Conseguir esgotar

Mesmo com as palavras abafadas
Nas pausas por vezes elásticas
Nenhum conteúdo deixamos de abordar

Permanecemos muito ligados
Elétricos e quase convulsos
Respirando um no outro o mesmo ar

Há um fim aqui dentro?
Existirá um lugar demarcado
Em que algum dia possamos descansar?

Então porque desta natureza perdulária
Que como humanos sem rumo
Nos obriga a falar falar falar?

6.1.14

Este é o meu jeito



Difícil de entender
Olho a vida de frente

Nado contra a corrente
Não deixo nunca de viver

Exagero no amor
Amo esbarrando na dor

Não espero que me vejam
Como alguém fácil de eleger

Um fato sem volta
Fácil de perceber

É que estou sempre no meu limite
Não escolhi este modo de ser