31.1.11

Noite de calor e fluidos muitos


Janelas escancaradas
Céu emoldurado

Cheiro de terra no ar

Mas nem tudo está parado
Lentamente ergue-se a lua

Traça o seu traçado

Espia os insones (e satisfeita)
Desaparece no topo do quadro

Aos poucos

A escuridão retoma seus domínios
E soberania em meu quarto

Contenham-se mãos


Não apressem o nascer do dia
A noite apenas principia
Ainda há tempo para o amor
E diversão

Lábios vão se encontrar
Línguas se conhecerão
Umidades felizes hão de brotar
Teus cabelos em meu rosto grudarão

Agora sim - avancem mãos
O solo gentil está arado
É é preciso semeá-lo
As chuvas não tardarão

Verão de exageros


Água demais

No meio da tarde
Arde o sol
Sobre a cidade

Daqui
De onde escrevo
Nenhum movimento

28.1.11

Parece-me incompleto o universo


Sufocado numa infinita mudez
E absoluto silêncio

Já este nosso pequeno mundo
Por sons está sempre inundado

O latido do cão
Que recebe o leiteiro na madrugada

Callas no rádio
O apito do guarda

O caminhão de lixo
Cumprindo a tarefa diária

O impacto do jornal
No chão da escada

A tua respiração calma e segura
Que não canso de admirar

Enquanto ao meu lado dormes
E te preparas para o dia que virá

26.1.11

Insuportavelmente perenes


(De longe)
Flores artificiais
São sempre belas
Não exigem cuidados
Não atraem insetos
Não exalam aromas
Não criam conflito com seus vasos

(De perto)
Cobrem-se de pó
Descoram com a luz do sol
Como cartões postais
Representam o que nunca foram
Pobres fantasias
São apenas uma ideia vazia

Alguns poemas


Não deveriam
Ser lidos em voz alta

Experiência silenciosa
E solitária

Voz de dentro
Voltada para o centro

Às vísceras incorporada
E de onde não escapa

24.1.11

Sobre a página em branco


Salpico palavras

Não demora muito
Passam a ter movimento

Exploram todo o terreno
Ocupam posições

Formam grupos
Testam diversos parceiros

Combinam-se entre si
Por interesses ou sentimentos

Até que o arranjo lhes pareça adequado
Ao menos até o primeiro sacolejo

21.1.11

A poesia é ardilosa e arisca


Se veste de odalisca
Dança e se insinua

(Mas não se iluda)

Mesmo que a toque
Com a maior das delicadezas

Que a trate com carinho
E lhe atenda todos os caprichos

Nunca dará garantias
De que se entregará passiva

Sempre poderá ser surpreendido
Por um não intransponível

20.1.11

Brisa


Chuvisco

Vento
Chuva

Ventania
Tempestade

Furacão
Tromba d'água

Diferentes humores
São pessoas

Circulam livremente em nosso meio
São estrangeiros

Falam línguas próprias
Não os entendemos

19.1.11

Repara na criança quando brinca


Ela faz poesia
Sempre que embarca
Em sua fantasia

18.1.11

No meio da varanda


Cabeça baixa
Porta encostada
Leque de luz pela fresta escapa

Ao pé da escada
Meu guarda-chuva ainda chora
Trilha de lágrimas que não mais te alcança

13.1.11

Me faça um favor


Se acaso acontecer
De meu cão
Depois de um dos nossos passeios
Para casa sozinho retornar

Abra-lhe a porta

Deixe que leve até o quintal a guia
E como sempre
Dê-lhe um carinho
E uma recompensa

11.1.11

A cada manhã


É maior o branco da minha barba
Repito a mesma cena
Meus pés quase já não tocam o chão

Carrego menos coisas nos bolsos
Dispenso lastros
Há cada vez mais espaço em meu armário

Os dias
Clareiam e escurecem
Como tem que ser

Opto por não mais partir
Todas as ruas terminam em becos
Não há para onde ir

Nenhum lugar é diferente
Deste
Lugar nenhum

10.1.11

O homem não se cansa do amor


Mudam as personagens
Mas não o roteiro

Ser monótono e previsível
Sentimentos infinitamente repetitivos

Que bom!

Há portas


Que só se abrem
Na presença de lágrimas

Quando tudo é estranhamento


Infeliz daquele
Que nunca vê o próprio rosto

Como um rio
Não conhece o repouso

6.1.11

Cercar uma praça


Um jardim um parque um horto
Deveria ser considerado crime hediondo
E condenar o responsável
A uma temporada no calabouço

O ir e vir desimpedidos
O entrar e sair por qualquer dos lados
Faz com que nos sintamos mais livres
Pela cidade menos sufocados

Pegar uma planta com a mão
Colher um fruto ao acaso
Sentar à sombra de uma árvore
Pisar descalço no chão de barro

Diminui nosso confinamento
Nos devolve ao mundo
Garante com a natureza
Um mínimo contato

Praças e parques em todos os bairros
Espaços livres para o convívio contemplação e ócio
Isso é mais do que necessário
Pois torna o homem menos egocêntrico e brutalizado

5.1.11

Um poema


Quando sobre a folha de papel em branco se espalha
Compõe um cenário
Requadrado pelas margens da página

Portal para outro espaço
Em que só se pode ver algo

Se a cortina for afastada
Houver lâmpadas nas luminárias
E um interruptor ao alcance da mão

Em que momento deixou-me a juventude?


Impossível sabê-lo
Talvez até nunca de fato comigo tenha estado
Sinto-me velho desde sempre

Quando olho para trás
Só vejo curvas e montanhas transpostas
Perdeu-se no caminho
Fixou morada em algum ponto da estrada

Mal tive tempo para despedidas
E de pedir-lhe que ao menos em pensamento
Vez ou outra me fizesse uma visita

Meu corpo já tão marcado
Passos lentos e sapatos desgastados
Espero mais um momento
Para diminuir o cansaço e seguir em frente

A névoa branca que inundou meus olhos
Torna-se a cada dia mais densa
Recebe-me como peça de um quebra-cabeças
Leito justo e acomodação perfeita

4.1.11

Quando ao meu lado estás


Poetas ou eruditos
Consagrados ou malditos
Sobre o criado-mudo
Terão que sua vez aguardar

Jamais serão a minha prioridade
Nem resvalam em tua sabedoria
Longe estão de conseguir
Sentimentos tão bons me inspirar

3.1.11

Deveria ser direito de todo cidadão


Ter o meu pedacinho de horizonte
Disso não posso abrir mão

À beira do lago


GOD | DOG