30.6.15

Desculpe se meus poemas



Bagunçam a tua cabeça
É só não levá-los tão a sério assim
Pois quem os inventa
Não raro mente
Mente para explorar
Mente para provocar
Mente para limites testar
Mente para misturar
Mente para se divertir
Mente para confundir
Mente naturalmente
Mente deliberadamente
Simplesmente mente

29.6.15

Que pecado terrível



Pode cometer alguém
Que só quer fazer valer seu direito de amar
Seja lá a quem?

26.6.15

Como um último ato desesperado



Tentou resgatar o amor
Convertendo seus vocábulos num mantra sagrado

Mais uma tentativa de auto-convencimento
Do que um sentimento maduro e assentado

Passou a repetir insistentemente para si mesmo:
Eu amo, Eu amo, Eu amo...

Mas não conseguiu deixar de ver o vazio em que estava vivendo
Até que finalmente se convenceu

De que não poderia mais permanecer deste jeito
Então decidiu mudar a regra do jogo enquanto ainda havia tempo

Declarando em alto e bom som:
Está tudo acabado!

25.6.15

24.6.15

Tanto te queixas do teu dia



Mas me parece que trabalhas
De forma bastante eficaz
Para acabares sozinha
É esta a impressão que me dás
Quando te vejo
Tão perdulária com o tempo
Sem nada acrescentares à tua vida

23.6.15

Saudade



Ex-hóspede da memória

Foi despejada
Sem ao menos ser avisada

Colocada na rua
Com a pouca roupa que vestia

Passou frio e fome
Sem que ninguém lhe desse um cobertor

Uma sopa quente
Uma palavra amiga

Definhou aos poucos
Morrendo esquecida

Caquética
Demente

Sem reconhecer mais quem foi ou era
Sem se lembrar das experiências de toda uma vida

22.6.15

18.6.15

Um mar de sangue no amarrotado dos lençóis



Foi o que ficou na lembrança
Sangramos muito
Fluido rutilante que nos escorria

Você aos jorros com suas carnes abertas
Sem entender bem o que acontecia

Eu com minhas lágrimas rubras
Conjuntivas infartadas
Artérias destroçadas pela própria mordida

Encerramos nosso tempo em constrito esgotamento
Olhando o silêncio e o estrago que nos envolvia

Tendo que gravar o vermelho nas retinas
Que se espalhava por paredes
Piso, cortinas

E que nos acompanhou pelo caminho
Passando a tingir tudo em nossas vidas

Almodóvar certamente se divertiria
Vendo tão fielmente reproduzidas
Suas mais loucas picardias

17.6.15

Às vezes penso



Que há momentos
Em que falamos línguas distintas

A confusão do verbo
No dia a dia

Mas o que de fato existe
É desencontro e silêncio

A ausência do sentido
Sem prosa ou poesia

16.6.15

Não aceitarei ser penitenciado



Por pecados que não cometi
Deuses que não são meus
E leis que desconheço e não escrevi
Não serei profanador de ídolos
Ou herege em pele de cordeiro
Pronto para ser imolado
Na pedra de qualquer altar sagrado

Não me curvarei frente a cruzes carcomidas pelo tempo
Carregadas ao longo dos séculos por inquisidores boçais
Juízes armados com diagnósticos toscos
Proferidos por bocas podres
Sob o efeito alucinógeno de seus credos loucos

Sacerdotes ensandecidos que viram noites
Amolecendo o couro dos chicotes no próprio corpo
Ao encontro do inferno
Auto-flagelo, êxtase doloroso
Repetindo suas ladainhas cíclicas, infinitas
Assentados em genuflexórios forrados de pregos
Até que a exaustão e a inconsciência os receba

Cultivam as delícias de suas chagas purulentas
Alimentando-as com a sujeira das unhas
Para depois exibirem-nas com orgulho
Monstruosas esculturas de cicatrizes
Vestes de virtudes feitas de carne
Chancelas da barbárie que pensam lhes garantir direitos
Em identificar e eliminar os males da humanidade

Bebem o sangue dos inocentes
Pervertidos que sufocam seus medos e instintos
Incinerando a libido das bruxas em praça pública
Mutilando com a lâmina afiada dos dogmas e ritos
Seus caralhos tesos insurgentes, subversivos
Antes que o gozo lambuze seus espíritos
Liquefaça suas mentes
Impreça-os de condenar
Os destitua do púlpito e os condene

Necessitam resgatar o mito da virgem que pariu
Em bocetas já devidamente comidas
Como se pelo cu também não se pudesse gerar vidas

Usam um discurso obtuso e cego
Da obediência incondicional
A um divino misterioso, desconhecido
Que confunde amor com ódio
Que a todos trata como putas vadias
Revelando-se cruel e vingativo

Onipotente construído a partir de leituras tendenciosas
De textos caducos, emendados, mal traduzidos
Distorcidos e de intenções mais que duvidosas

15.6.15

Não duraram 1 dia



As flores que te dei
E o sonho de resgatarmos
A espontaneidade daquela antiga alegria

Não duraram 1 semana
A harmonia no amor
E a partilha de nossa cama

Não duraram 1 mês
A energia viva da esperança
E as tentativas de uma reconquista

Não duraram 1 ano
Os poucos momentos que tivemos
E julgamos tão seguramente guardados

Não podem mais ser enxergados
Fotos, filmes, lembranças
Tudo apagado

12.6.15

Boa noite



...
Quanto tempo, né?
Pois é
Pela voz, vejo que bebeste
Sim
Quanto?
O suficente, creio
Sempre te pedi que parasse
Faço apenas o que quero
Foi o que nos separou
Se é o que pensas
Pois então bebe mais, vai bebendo
Como assim?
Estou indo pra aí
Agora?
Sim
É muito tarde, por favor, não venha
Vou sim

Não tens como me impedir
Acho melhor que te enbriagues
Pois quando eu chegar
Também beberei
E quando a razão nos faltar
Sei que não resistirás
Sei que não resistirei
Então me amarás
E eu te amarei
E no pouco tempo que teremos
Nada mais no mundo importará
Que se danem os bons costumes
Ou os ditames da lei
Mais um dia sem ti
Não ficarei

11.6.15

O amor



Não é para teóricos estritos
Ou literatos com um olhar distanciado

Não é para profissionais e seus algorítimos
Mas para amadores, poetas com acesso irrestrito aos recantos mais íntimos

Envolve essencialmente abordagens práticas
Em que o indivíduo é laboratório de si e cobaia

Conclusões não podem ser tiradas de forma apressada
Mas só depois de repetitivos experimentos

Não tem como ser tocado num instrumento desafinado
Todas as suas interfaces devem ser vivenciadas à contento

Despreza expectativas comportamentais da psicologia
Permeia história e filosofia

Não dá a mínima para a pedagogia
Física e matemática servem apenas de alegorias

Age diretamente na fisiologia
Por isso é que tem uma relação tão íntima com a medicina

E nos seus aspectos mais primitivos
Com a química e biologia

Frio na barriga
Arritimia no coração

Olhos injetados, soluços
Sapos muitos, difícil deglutição

Cotovelos inchados
Cegos de paixão

Suores frios, arrepios
Instabilidade anárquica da pressão

Esquizofrênico desespero
Fel de mágoas, depressão

Claudicância do espírito
Dependência na indecisão

Êxtase infinito quando correspondido
Alucinada indescritível satisfação

Certeza de ter vivido
Humanidade em permanente construção

10.6.15

Todo médico deveria saber



Que a dor que o sujeito sente
Não é maior do que a dor de ninguém

Que a dor de um ser
Não se pode comparar com a dor de outro ser

Que a dor que o sujeito tem
É a maior dor do mundo para este mesmo alguém

Que a dor infinita daquele a quem ele atende
Deve ser infinita para ele também

E que quando existe um remédio adequado
Todos ficarão bem

Mas se não há medicamento indicado
Ou ele não pode ser tomado

Uma lágrima compartilhada
Um desabafo

Um olho no olho
Um abraço apertado

Um ouvido atento
Um conselho bem dado

Podem ajudar a amenizar o medo, a dúvida
Ou até mesmo dar conta do caso

9.6.15

Sabes bem o que foi perdido



Quando dispensate acesso
Aos compartimentos mais íntimos deste teu servo
Sabes também que em função desta atitude
Tão meticulosamente calculada
Neles nunca mais terás pousada

Esperava que até o último instante
Que enfiarias o pé no vão da porta
Evitando que ela se fechasse de vez
Mas isto não aconteceu
E agora não há mais razão para lamentos
Pois nem ao menos vejo hoje nesta questão algum relevo

Os livros todos que ao longo dos anos juntei
E que eram de tua exclusiva leitura
Não perderam fundamento
Não se tornarão ração para cupins
Nem meros ornamentos
Continuarão bem cuidados
Até que apareça uma outra criatura
Ainda ávida por conhecimento
E que possa fazer melhor uso deste acervo

8.6.15

Se não tiveram



A vida toda para viver
Ao menos lhes foi dado
Um tempo
Mesmo que pequeno
Para poderem se lembrar
E no amor
Continuarem a crer

3.6.15

Das dores de amor todos sofrem



Pela falta
Excesso
Por viver
Ter vivido
Ou só pelo projeto

Gênero ou classe
Elas não escolhem
Não respeitam idade
Condição física
Ou sanidade

Os que amam talvez melhor saibam
O que isso significa
Bastando que recebam a esporádica visita
De um único forasteiro:
A lembrança maldita

Andarilho cruel
E egoísta
Que chega sem se anunciar
Ocupa o que julga ainda ser
O seu lugar

E depois de ter o corpo saciado
O bolso forrado e roupas limpas
Volta a se perder na vida
Sem se importar com o que deixou pra trás
Ou com as saudades de quem fica

2.6.15

ATA



O “T”
Abre as asas

E os dois “As” envolve
Aproxima

Abraça
Abriga

Une
Harmoniza

De trás pra frente
De frente pra trás

Métrica diminuta
Mesma rima

Amor que vai
Amor que vem

Escultura do léxico
A sintaxe acaricia

Nada mais importa
Total sintonia

É na horzontal
Que de fato o mundo gira

1.6.15

Num descanso rápido



A lua no céu
A lua no lago

Te vejo no céu
Te vejo lá embaixo

Abraçada à lua
Choras

Desespero
Coração apertado

Estendo os braços
Não te alcanço

Me atrapalho
Quase caio

É duro admitir
Ainda não é hora

Cuida dela pra mim
Oh, lua amiga

Mas só até o dia
Em que termine aqui minha lida

Atiro uma pedra
Espelho turvado

Sigo meu caminho
Pés cada vez mais inchados