30.5.14

Minha Dona



Para que arrumar a cama
E tentar apagar as marcas de tua presença
Se ninguém mais ocupará este lugar
Se aonde quer que eu vá
Teu perfume está no ar
E meus olhos sempre encontram
Quem contigo se pareça?
 
Neste nosso caso
Tempo e distância
Não desbotam fotos
Não vestem de gala as lembranças
Não criam no peito um vácuo
Nem diminuem a esperança

29.5.14

En tiempo de cumpleaños



Nos resta somar trinta
À igual quantia já decorrida
E só aí serão sessenta

Mais os vinte
De quando começamos
Passaremos dos oitenta

Que idade fantástica
Para que com o coração ocupado
E a mente saudável
Possamos resolver juntos
Simples equações matemáticas!

28.5.14

O silêncio



É o maior dos castigos

A indiferença machuca mais
Do que qualquer atrito

Fere o sujeito por dentro
Esgota-lhe o sangue "in vivo"

E o vazio acaba por ser preenchido
Só com os argumentos do sinistro

Artimanha maligna do nada
Voo às cegas no infinito

Labor burro e improdutivo
(Inaceitável)
Quando ainda existe algo a ser dito

27.5.14

Tudo está em outro ritmo



Tudo está claro
E esta ausência da noite
Acelera o consumo
Do pouco de humano
Que ainda guardo comigo

O desânimo
A falta de empenho
E o egoísmo no trato
Não me ajudam a atravessar o espelho
Para encontrar no país das maravilhas
Algo que se pareça
Com um reino encantado

O contato raso
Não alivia a carga de embaraços
De quem se sente um espantalho
Nariz de palhaço
Gasto
Usado todo dia
Atrás de uma mesa de trabalho

Ao lúmpen existencial
Só resta a mendicância passiva
Conformando-se com as sobras
Que lhe são colocadas à vista

Pois na sua idiotia constitucional
Vive tranquilo a fantasia
De que as coisas são como são
E de que tudo vai bem
Tudo está normal

26.5.14

A voz do poeta foi calada



Não teve lugar na sala
Da cozinha foi expulsa
No quarto ficou aprisionada

Sufocada pelas vontades e sem alento
Emolduradas por incontáveis verbos
Conjugados no futuro do pretérito

23.5.14

O que diferencia o bacana do supimpa?



Bacana é termo do momento
Supimpa está em desuso é obsoleto
 
Bacana é complexo e empostado
Supimpa é simples e desencanado
 
Bacana é programado
Supimpa espontâneo

Bacana faz questão em exibir as conquistas
Supimpa se alegra com o que tem e partilha
 
Bacana vem sempre com uma proposta
Supimpa não se importa em ser contatado fora de hora
 
Bacana é auto referente
Supimpa quando encontra o novo fica contente
 
Bacana pode ser dúbio e fleumático
Supimpa é explícito e bem-humorado
 
Bacana se lembra da noite anterior
Supimpa liga para comentar também o que veio depois
 
Bacana é “in”
Supimpa é “out”
 
Bacana é smart fone
Supimpa é quando toca o interfone
 
Bacana é Fasano
Supimpa é Tordesilhas
 
Bacana é o Empire State Building em  Manhattan
Supimpa é a água que não chega ao chão quando desaba da Fumaça
 
Bacana é whisky
Supimpa é cachaça
 
Bacana é o commodity da soja
Supimpa é a verdura no prato que vem da própria horta
 
Bacana é o político fraco
Supimpa é o que resiste aos esquemas montados
 
Bacana é jazz
Supimpa é samba
 
Bacana é sono leve e entrecortado
Supimpa é rede na varanda, cochilo e um livro do lado
 
Bacana é helicóptero, jet sky e Angra
Supimpa é colher cogumelos nas montanhas da Espanha
 
Bacana é o revascularizado do mercado financeiro
Supimpa é ter o câncer só como lembrança de um tormento
 
Bacana é crer em Deus
Supimpa é amar a criação
 
Bacana agrega valor
Supimpa agrega gente de valor
 
Bacana é pra dentro
Chiclete sem açúcar
Ruminado ao infinito
Nunca engolido
 
Supimpa é projetado
Caroço de melancia cuspido
Concurso de mijo
Numa peleja entre meninos
 

22.5.14

Me vejo em pedaços



Jogo das metades que se encaram
Dicotomia
Que aproxima e distancia
Interface absoluta
Repetitivamente se encaixam
Sem que jamais ocorra a mistura

Caleidoscópio
Sem hiatos
Ângulos obtusos
Arranjos confusos
Instáveis
Inusitados

Não há cantos cegos
As imagens são lindas
Simétricas e coloridas
Iluminam a vida
São infinitas no cilindro
Que nunca termina

Força e vontade
Amor em quantidade
Lado de lá/Lado de cá
Cabeças sem corpos/Corpos sem cabeças
Cabo de guerra
Não se vê desigualdade
 
Compartimento sem portas
Em que não se sabe como entrar
Espelhos lisos demais para se escalar
Não há como escapar
Apenas uma janela para olhar
Impasse

É preciso respirar
Dimensionar espaços e intensidades
Saber o que a realidade pode dar
Ser pragmático
E por um tempo
Parar com o inútil girar

21.5.14

Já fui chamado de louco



Ingênuo
Sonhador
Ridículo
E tantos outros pejorativos
Que até me acostumei com isso

É que eu simplesmente não consigo
Manter um vínculo duradouro
Com aquilo que não acredito

Estou só com meus conflitos
Indisfarçavelmente nu
Expondo minhas entranhas
Ao apetite dos urubus

E quem me vê assim
Não compreende
Rejeita
Estranha
Olha de lado
Sente-se ameaçado

Num primeiro momento
Teme
Mas em seguida
Se defende
Cravando as garras em meu pescoço
Como quem combate um demônio

As rugas em meu rosto
Mostram o crescente desconforto
E no ápice do atrito
Grito
Até que o desespero me esgote a voz
E meus olhos não tenham mais lágrimas
Mas apenas transpirem ofegantes
Pelo esforço excessivo

E assim sigo em meu caminho
Cansado
Roçando no chão
Os bicos dos sapatos
Com o olhar vendado
Fechando os ouvidos
Ao canto adocicado das feiticeiras
Libidinosamente oferecidas em altares dourados
Fundamentados em falsas certezas

E se é a luxúria vazia
O orgulho míope ou a soberba
Que orientam a travessia
Percebendo a força da gravidade
Mantenho ativas as defesas
Resisto ao calor
Tangencio a órbita da realidade
Me aproveito do impulso
Ganho velocidade
E de volta ao cosmos
Retorno sem carregar saudades

Me distancio aliviado
Projetando minhas vontades
Na direção de outros arranjos intergalácticos
Sítios mais afinados com minhas escolhas
Buscando encontrar um ambiente adequado
Atmosfera morna e confortável
Mítica Cirene contemporânea
Onde o amor seja único idioma praticado
E como uma joia de infinita importância
Para a eternidade possa ser preservado

20.5.14

Noiteiam desacontecimentos



E a imaginação se deixa levar
Pela névoa gosmenta
Quase sólida
Que reveste a paisagem

Os vapores do vinho em excesso
Rodopiam pensamentos
Pintam de prata
Os espinhos dos conflitos
Agitam as cabeleiras do desespero
Ventaneiam com extrema força
Tentando dissipar tormentos reprimidos

Caem borrascas repletas
De ensurdecedores silvos
Ciclotímicos
Paranoicos
Lagartos pícnicos
De mãos atadas
Com suas línguas amputadas
Ousados
Mas tímidos

Velhos espectros
Campeiam searas estéreis
Em busca de memórias falsificadas
Sentimentos prosaicos
Amores não consumados
Estéticas inventadas
Sofrimentos requeridos
E sobras das latas de lixo

O pulso fraco e elástico
O suor gélido da angústia
O amargo hálito da culpa
A pele plúmbea e desvitalizada
A parte podre da fruta
Que sempre chega antes às papilas
Acompanham o arraste
Da marmórea carcaça inflamada
Cansada de enfrentar tantas colinas
E suportar as dores de pés abscedados

Há crostas de um sangue negro e pegajoso
Nos pontos do corpo
Atravessados por flechas enferrujadas

Na tentativa de voltar para casa
Chovesfria subitamente
Não há marquises nem agasalhos
A morada distante
Distancia
E o andarilho no centro do asfalto
Perseguido por serpentes albinas
Perde-se na conta dos postes
Excessivamente iluminados

Desvia dos cães
De olhos injetados
Teratomas de ódio
Uivando para a própria imagem
Na superfície das poças d'água
Erupção magmática de saliva
Dentes pútridos
Em bocas carniceiras e envenenadas

Uma legião de sombras pervertidas
Se posiciona nas esquinas
Preparando ciladas
Com argumentos caducos
Empíricos e pouco testados

A gravata apertada sufoca o grito
Um rato insiste em ser amigo
Mas com seres desta estirpe
Não se deve estabelecer diálogo

Hoje a lua não surgiu
A vontade de ver o ser amado inverte o viver
O sol voltou pelo mesmo caminho
Que no dia anterior sumiu

As putas fumadoras de crack
Quando desocupadas
Coçam suas sarnas
Roçando as costas nos muros chapiscados
Protegem sua nudez cadavérica
Dos olhares pudicos
Vestindo casacos encardidos
E fugindo do orvalho
Disputando entre si os orelhões quebrados

A água que sai do chão
Encharca o céu de um vermelho intenso
A enxurrada retarda as passadas
Encharca galochas
E as meias puídas pesam
Não comportando todas as lágrimas
Transformam expressões atônitas
Em sardônicas máscaras desalmadas

E quando não se morre afogado
De frio ou de desgosto
O alívio da dor se dá pela asfixia da alma
Socando para dentro da própria garganta
O mesmo pano que Verônica usou
Para enxugar o rosto
Daquele que abandonado
Não era mais corpo
Mas a semente de algo que quando surgiu
Não se entendeu
E para sempre virou justificativa
Para toda espécie de mentira

9.5.14

É um ensejo



Um lapso no tempo

Hiato em que na penumbra
Uma luz se insinua
Atravessa o quarto
E como um raio
Acende teus olhos
De forma única

E é com este olhar
Incandescente
Que de um jeito algo lânguido
Meio malemolente
Me enxergas por inteiro
Transpirando uma paixão ardente

E neste úmido momento
Como um contra senso
Tua expressão é tão serena
E tua beleza tamanha
Que me calo e paro
Apenas para te contemplar

Pois para mim
Neste memorável instante
Nada no mundo
É mais adorável
A vida se justifica
Como algo de fato importante

8.5.14

Voa pensamento voa



Segue teu caminho
Livre semente alada
Levada pelo vento

É inútil fazer planos
Firmar promessas
Traçar rotas orientadas só pelo desejo

Pois é grande o risco
De acabar semeado em outro lugar
E não se estar lá no exigido momento

7.5.14

Retratos de criado-mudo não são espelhos



Não te transformes na sombra
De quem hoje é só reflexo e vive da memória
De um tempo de troféus e glórias

Não entregues de mão beijada teus bens mais preciosos
O querer e a liberdade
Conquistados às custas de tão dolorosas lágrimas

Apaga o abajour
Dá as costas ao passado
E dorme com a consciência tranquila

Vez ou outra pesadelos hão de visitar o teu sono
Mas se permaneceres firme na lida
Fantasmas não mais farão morada em tua casa

Não encontrarão ali conforto
E abandonarão o lugar
Assustados com a tua felicidade

6.5.14

Não se imobiliza um coração



Mesmo que fraturado

Tala e gesso só iriam condená-lo
Deve ser espontânea a reparação

Não aprendeu a sobreviver ficando parado

5.5.14

Olho que não pisca



Gente que não arrisca

O tempo passa
A vida passa

E não avisa