30.4.13

Você ainda será capaz de me amar amanhã?



Apesar da enormidade do tempo
Apesar do cotidiano e todo o embaçamento
Você ainda será capaz de me amar amanhã?

Apesar da mediocridade
Apesar das tempestades
Você ainda será capaz de me amar amanhã?

Apesar da decepção
Apesar de cada um ter sempre razão
Você ainda será capaz de me amar amanhã?

Apesar da falta de atenção
Apesar da maledicência dos que não têm noção
Você ainda será capaz de me amar amanhã?

Apesar do beijo restrito aos lábios
Apesar do abraço pouco apertado
Você ainda será capaz de me amar amanhã?

Apesar da emoção embotada
Apesar da consciência pesada
Você ainda será capaz de me amar amanhã?

E quando um outro amanhã chegar
E a semana recomeçar
E novamente no fundo dos olhos lançarmos olhar

Antes do cumprimento habitual
Antes do café
Antes do jornal

No despertar o desespero da dúvida
Como um mantra uma oração estúpida
Voltarei sempre a lhe perguntar

Você ainda...

29.4.13

Gatos no telhado



Preciso dormir
Alguém terá que castrá-los

26.4.13

Desista



Não nos livramos
De nós mesmos
Até morrermos

E às vezes
Nem mesmo a morte
Nos trás alento

Basta que as marcas
Que deixamos em nosso entorno
Resistam ao tempo

25.4.13

Quando te olho



E te vejo
E te tenho

Não me tranquilizo
Enquanto não encontro

A pequena cicatriz
Que trazes no peito

Assim sei que és
Assim sei que estás

E que juntos continuamos
Até aqui vencendo

24.4.13

Era uma vez



Numa terra não muito distante
Num tempo em que as fantasias
Andavam um tanto quanto desacreditadas
E o amor longe dali vivia

Existia um reino mágico
E nele um castelo encantado
Onde morava uma dama
Dona e soberana de tudo que a vista alcançava

Tinha também os poderes do encantamento
Capazes de manter sua salvaguarda
Garantir-lhe sossego
E de fazer vir para si tudo que precisava

Escolhia a dedo
A comida adequada
A melhor bebida
E nos momentos de solidão e melancolia
O mais galante cavalheiro que por lá existia

Até que um dia
Passava por aquela freguesia
Um andarilho errante
Maltrapilho e falante
Menestrel das belas palavras
Faminto e de peito arfante

Subitamente viu-se arrebatado
Por um irresistível perfume
Fragrância tão suprema
Que de um esplêndido jardim emanava
Acompanhado de um inebriante canto
Carregado pelo vento
Que do alto de uma torre se espalhava

Sem conseguir oferecer resistência
Mudou o curso de sua passada
E dirigiu-se à fortaleza

Cruzou o escuro fosso
E por traz do atônito estrangeiro
Elevou-se uma enorme ponte
Aprisionando-o no monumento

Atravessou um imenso átrio
Decorado com um sem número de retratos
Semblantes que expressavam os mais diversos humores
Orgulhosos indiferentes tristes irados amedrontados
Mas nenhum trazendo no rosto a felicidade (isto era um fato)
Príncipes e reis
Antigos senhores daquele palácio

Veio recebê-lo a rainha
Em trajes sumários
Transparências de quase expor suas reais intimidades
Silhueta magnificamente torneada
E pele muito branca de delicadeza sobre humana

Ao deparar-se com o intruso aventureiro
Recuou assustada
Imaginando que pela primeira vez tivesse errado
Na escolha de um parceiro para a sua cama

Mas antes que conseguisse acionar a guarda
E por para fora a pontapés o infecto forasteiro
Eis que ele saca de sua guitarra
E ferindo suavemente o instrumento
Extrai dele um som melodioso
Um doloroso lamento
Seguido de uma canção de amor intenso
Que capturou de imediato a monarca por dentro

A feiticeira experimentando da própria poção
Encantou-se ao ponto
De sem mais delongas
Em alto e bom som
Ordenar que se iniciasse a recepção
E lhes fosse servida
A já cuidadosamente preparada refeição
 
Partilharam do vinho real
De doces salgados e frutos sem igual
Licores
E já excedendo-se em picantes devaneios
Adentram aos nobres aposentos
Rindo muito
E carregando-a nos braços o hercúleo mancebo

No adornado leito
Rapidamente desfizeram-se das vestes
De riquezas tão distintas
E mergulharam numa noite de amor extremo
E comunhão muito precisas

Beijos ardentes
Bocas reciprocamente ativas
Privacidades com invasão permitida
Nobre e plebeu nivelados pela carne
Junção de espécies
Num improvável enlace

Ao final da noite
Saciada mas intranquila
Temendo aprisionar-se em definitivo
Pede que se retire o artista
Dando-lhe o tempo de um minuto
E exigindo (sem olhar para trás)
Que com sua vida prossiga

Ele a obedece sem colocar empecilho
Considerando ter sido premiado
Por poder desfrutar de tão mágico destino

Deixa o reino feliz e satisfeito
Lépido e faceiro
Banho tomado
Bom cheiro
Um casaco novo de reforçada trama
Algum ouro no bolso
Barriga cheia
E muitos salamaleicos

E para eternizar o evento
E nunca esquecer a magnífica experiência
Compôs esta cantiga
E por todas as terras que depois passou
Lhes deu ciência

Esta história contou-me um ancião
Na mesa de um bar
Numa viagem que fiz ao Japão

Mas disso nem mais tenho certeza
Se foi fato ou criação
Pois já tinha as ideias um pouco embaralhadas
Depois da vigésima cerveja

23.4.13

Por favor



Permita-me viver
Nunca mais me acorde deste sonho

22.4.13

Você não pode imaginar



A dimensão
Do que é capaz de me dar

Pelo simples fato
De estar

19.4.13

Faça valer a pena



Termine de ler este poema
E trate de me esquecer

18.4.13

A represa é o rio que engordou



A chuva é a nuvem que caiu
O raio é a luz que pouco acendeu
O trovão é o encontrão de teimosos
O vento é o oceano suspenso que não se vê
O nevoeiro é o ar flagrado pelos olhos
O terremoto é o planeta que se espreguiçou
O vulcão é a terra com indigestão
O jardim é a floresta que amansou
A estrada é a picada que tem pressa
O edifício é a casa que se levantou

O homem é o menino que espichou
A mulher é a garota que madurou
O choro é o riso que inverteu
O grito é o silêncio que fugiu
A tristeza é a alegria que alguém enjaulou
A saciedade é a fome que dormiu
O pensamento é a ferramenta da cabeça
A lembrança é a vida repetida lá dentro
A saudade é a consolação pela perda
O sonho é o cinema em mim mesmo
O sono é o ensaio para a morte

17.4.13

Parte



Se achares que é chegada a hora
Mas tem piedade
Não leves contigo o meu coração

Leva sim este amor
Pois tua ausência fere (fundo)
E faz sangrar (muito)

E se o coração que me restar
Vazio permanecer
Chance de viver uma outra paixão
Ainda terei antes de morrer

16.4.13

Mulher



Tua natureza felina
Não te faz empardecer

Nas noites de calor
É peculiar a tua lascívia

15.4.13

A força do bruto



Foi vencida pela sutileza da fêmea
Bastou um leve toque nos cabelos
E o feitiço dobrou o aço da lâmina
Fazendo mergulhar o macho
Num sono profundo perfeito
Sono dos desejos saciados

12.4.13

Meu porco



Criado em chiqueiro
Com chão de cimento
Vendo o portão aberto
E sem entender bem o fato
Sai do confinamento

Atraído pela lama ao lado
Não foge

Chafurda
Se lambuza
E entorpecido
Refastelado
Adormece

É capturado
E novamente enclausurado

Está gordo e pesado
Pressente a morte
E se lamenta
Com um grunhido longo
Carregado de arrependimento

11.4.13

E sobre um chão de cimento intacto



Tulipas vermelhas brotaram

Uma a uma
Destacaram-se do solo
E voaram

Perdendo-se no espaço

10.4.13

Tarde de abril



Azul extremo
Ardor ameno

Sonolências
Horizonte pleno

Um espiralado urubu
Voa lento

Não sobe por subir
Tem fome

Asas imóveis
Não importa o tempo

Não se cansa
Acompanha o movimento

Espera
Tem o olfato certeiro

O banquete estará servido
A qualquer momento

9.4.13

Imaginação



Casaco que veste as lembranças
Não se apoia em Celsius ou Fahrenheit
Prefere a escala Tempo
Que ao contrário das demais
Ao acumular graus
Evita o tilitar
Sobrepondo os agasalhos

8.4.13

Para diminuir acidentes com eletricidade



Inovações às tomadas
Foram recentemente aplicadas

Acabaram-se as superficialidades
Agora são (todas) invaginadas

Mas mudanças exigem tempo
E dos antigos adaptações

Mas os adaptadores nem sempre estão à mão
Nos momentos das maiores tensões

5.4.13

Quando criança



Havia momentos em que procurava estar só
Desejava voar e como as aves sobre todas as coisas flutuar
Mas por mais que me sentisse apto e pensamentos concentrasse
Asas nas costas nunca me cresceram
E saltar da varanda nunca tive coragem

Realizava este sonho indo o mais alto que podia
Subindo no telhado de casa
E na cumeeira por horas me sentava

Gostava de observar o redondo do horizonte
A pedreira de um lado
Os parreirais listrando os morros até virarem um tapete lisinho
As formas e os caminhos das nuvens
O movimento das ruas
A vida que transcorria nas outras moradas
As figuras diminutas que diminuiam ainda mais conforme iam
E as que se agrandavam tomando feições quase sempre conhecidas quando vinham
Os bambus elevando os varais e lençóis embandeirando os quintais
A nudez recatada na janela ao lado que me punha paralisado

Fechava os olhos e tentava adivinhar os sons e aromas trazidos pelo vento
O caminhão de gás com o cão latindo atrás
O amolador de facas tocando gaita
O vendedor de beiju e sua matraca
O estalar da roupa no tanque
O choro da moça na janela
O ensaio da banda no porão da igreja
O burburinho da feira
O marceneiro recortando a tábua
O entregador de frutas empilhando caixas
O borracheiro acionando o macaco
O ferreiro malhando na bigorna
O estábulo não muito distante
O capim cortado
O bife do almoço sempre acebolado
O amendoim torrado
O pão quente saindo do forno e em seguida o bolo

Ah, era bom voar...

Vez ou outra via o gato do português do mercado
Que em seu caminho de hábito
Ao notar o estranho reagia com espanto
Como que me recriminando e dizendo:
Como te atreves a invadir meus domínios sem que eu o tenha permitido?
Recolha-se à tua humana insignificância, oh menino!

4.4.13

O amor muda


Amadurece
Mas não mumifica

Se confunde
Mas não demencia

Amornece
Mas não esfria

Pode adoecer por um tempo
Necessitar tratamento

Ficar sem ar
Apanhar pneumonia

Ter febre
Precisar de compressas frias

Gritar de dor
Requerer analgesia

Mas pode agonizar
Se duvidar um dia

E morrer
Quando a dúvida se confirma

Aí não há mais amor
(Simplesmente desaparece)
Um vazio se cria

3.4.13

Não foram só as vontades



Foi preciso mais
Um encontro de insanidades
E um inevitável desencontro
Resultou deste embate

O inesperado
É que sobreviveram frutos
Que agora como fogo
Ardem na carne

2.4.13

Espero passar a ventania



(Sei que isso ocorrerá um dia)

Segurando nas mãos
Prendendo sob os pés
E entre dentes
O que ainda não perdi

(Torço para manter as forças e não cansar)

E de tudo que o vento levou
E os olhos não mais têm
Apenas um fragmento amorfo e desconexo
Na memória me restou

1.4.13

Temo por nós dois



Se loucos não estamos
Ainda

Loucos ficaremos
Um dia

Por termos permitido
A distância

Termos que suportar
Tamanha carência

Pela asfixia das palavras
Que nos permitem apenas respirar

Pelas lágrimas
Que não podemos misturar

Por não termos como escavar os lábios
E alcançar o mel em nossas bocas

Por querermos corpo braços contato
E termos apenas travesseiros como amparo

Por saciarmos as vontades
Em sonhos e devaneios

Por termos que nos conformar com o possível
Quando o possível é tão pouco

Por alimentarmos a esperança
Apenas com lembranças

Acontecimentos do passado
Hoje por fantasias tão contaminados