31.8.09
Poema útil
Se o nariz lhe sangrar
Tensão e desespero
Em nada vão ajudar
Veja o que deve fazer:
Aproxime-se de uma pia
Incline a cabeça para frente
E deixe que o sangue goteje livremente
Em seguida com o indicador e o polegar
Pince o nariz pelas asas
E por dez minutos assim permaneça
Sem muito apertar
Solte-o em seguida
Não assoe
E lave o rosto com água fria
Por alguns dias
Não faça esforços ou tome sol
O banho deve ser morno
E assim também a comida
Em 90% das vezes tudo vai se resolver
Mas se o que eu ensinei não funcionar
Continue calmo
Mas trate de me procurar
28.8.09
Ardor nos olhos
Cabeça zonza
Metrônomo relógio
À espera do dia
Callas
(No rádio)
Um cão ladra perto
Outro ao longe responde
Um terceiro à distância
Também participa
Madrigal noturno
Ecos e contrapontos
Solos e naipes
Se alternam e se somam
Barítonos
Contraltos
Baixos
Dó menor
Andante
In tutti
No ápice rompante
Despertador soprano
(Os primeiros raios de sol
Invadem a cena)
Encerrada a peça
É preciso levantar
27.8.09
Dragon fly
26.8.09
Em tempo
(para Rui Gassen - a propósito de suas crono-indagações)
Quando muito menino
Me lembro
De tentar ver o tempo
Trabalhando
Dentro do relógio
Peguei o despertador da casa
As ferramentas
(Das crianças muito bem resguardadas)
E iniciei a delicada prospecção
Peça por peça
Engrenagem por engrenagem
Corda para um lado
Ponteiros para o outro
Dedo cortado pelo vidro mal polido
Mas o tempo mesmo não encontrei
Decepcionado
Tentei desfazer o estrago
Nada parecia querer retornar
Para a antiga posição
Cresceram as peças?
Diminuiu o espaço?
Tudo parou
A caixa não mais tic-taqueava
Até que vi o cuco no alto da sala
Rapidamente compreendi
Que ali devia estar o tempo
Zombando de mim
Já há muito cantando
Em outro esconderijo instalado
25.8.09
24.8.09
1930 anos depois: uma nova Pompeia
Não mais choverá em São Paulo
E os veículos todos
Como um exército de vesúvios cuspidores de cinzas
Continuarão a expurgar fuligem
Até que tudo esteja soterrado
Histórias interrompidas
Milhões de ações jamais concluídas
Intensões para sempre latentes
Dúvidas nunca solucionadas
Os corpos calcinados
Só voltarão à tona séculos mais tarde
E todo o achado
Não será nada mais
Que um mórbido esboço do passado
22.8.09
21.8.09
Luz noturna
20.8.09
Pinot noir
19.8.09
Uma nova glaciação
18.8.09
Constelação às avessas
17.8.09
O rancor
14.8.09
O verdadeiro canto do João de Barro
Nosso amor acabou
No dia em que nos casamos
(Confesso)
Já o soube no minuto seguinte
Mas sabe como é
Vai que de novo fiquemos apaixonados
Não foi o que aconteceu
E sem que nos apercebêssemos
Uma década inteira se passou
Nada construímos juntos
Cada um foi consigo ficando
E nem ao menos um herdeiro tivemos
(Por sorte não veio)
Não faz mesmo diferença
Estarmos juntos ou separados
E sem que nos apercebêssemos
Mais cinco anos se passaram
(Acho até que nos acomodamos um pouco)
Mas sabe como é
Vai que de novo fiquemos apaixonados
13.8.09
O caminhão de mudanças
É como um poema
Uma composição
Carregado de figuras
Ritmos
E melodia
Conta histórias
Deixa palpável o que importa
Expondo intimidades
E é isso que transporta
Vidas em transformação
Casamentos
E separações
Filhos deixando o ninho
Despejos
O fim do aluguel
A realização de um sonho
Alguns são abertos
Devassados
Outros discretos
Protegidos no baú
(Mais que blindados)
Algumas arrumações são perfeitas
Um quebra-cabeças muito bem montado
Outras instáveis
Frouxas
Quase que tombam
Tendem a se soltar
E a distribuir objetos por onde passam
Um colchão manchado
Um armário com o espelho da porta quebrado
Um retrato no quadro
Um vaso de plantas mal cuidado
Um velocípede
Um cão assustado
Um sofá virado sobre o conjunto
Muitos utilitários
Caixas
Caixas
E mais caixas
De papelão empilhadas
12.8.09
Quem não for geômetra que não entre
11.8.09
Na cozinha de minha infância
(para Carlos Drummond de Andrade)
Onze e meia da manhã
Eu sentado
Cotovelos sobre a mesa
Caminhando nas nuvens
Minha mãe preparando o almoço
Preenchia todos os cantos
Com domínio pleno das ações
E o tempo sob seu comando
A panela de arroz recém saída do fogo
Transbordava em aromas no denso vapor
Com um pano de prato
Eu a destampava com cuidado
E observava o desvio forçado pelas bordas
Que a água quente tinha que aceitar
No seu caminho até o teto
Rapidamente virava-a para cima
E na superfície côncava do alumínio
Iniciava o meu jogo
A condensação aglutinava algumas gotas
E eu as conduzia
Iniciava perseguições e crueis capturas
Duelos sangrentos e mutilações
Batalhas heróicas e rios de sangue
Vencidos e vencedores
-Menino, tá com a cabeça aonde? Deixe de esquisitices e vá logo arrumando a mesa!
Às vezes
Não era fácil retornar
10.8.09
Ele tenta passar para as palavras
(para Fúlvia de Carvalho Lopes)
O que sente
E o que pensa ser
(Essa maldita necessidade de tentar se entender)
Faz isso sem escolher o lugar
Não desperdiça qualquer momento
Usa o que estiver ao alcance das mãos
Um pedaço de papel
Um guardanapo sujo no canto esquecido
O açúcar derramado sobre a mesa
A saliva do cão
O vômito ainda quente
A pele da amante
Trabalho hercúleo
Insiste mas (sempre) fracassa
Consegue registrar apenas as crostas
E as rebarbas de seu mundo
Não se reconhece naquilo que lê
7.8.09
Jogo sal em meu corpo
6.8.09
5.8.09
WC reflections
4.8.09
3.8.09
Virando a página
Assinar:
Postagens (Atom)