29.5.15

O que é menos pior



A ardência irascível e corrosiva
A vertigem desorientadora
A inconstância convulsiva
A inutilidade da razão
A falta do chão
O apito bombástico e enlouquecedor
De um amor inviável e maldito?

Ou a catatonia fria e silenciosa
A boca murcha e vazia
A inapetência crônica e insossa
A amputação sistemática dos dedos
O sucateamento do espírito
De um ser mendicante por princípios
Só e indigno?

28.5.15

Disseste que me deixarás



Assim que encontrares
Um outro alguém
Que possa te levar
Na hora não quis entender
Mas agora preciso te perguntar:

De que então valeu
Tanto esforço e dor
Para conseguir mudar
Nesta história tão confusa
O meu jeito de te amar?

27.5.15

Carnal criatura



A indecência telúrica do teu sussurro
O aroma frutado do teu hálito
As voltaicas faíscas nas tuas orelhas
O aliciante sal no teu pescoço
O úmido chicoteado dos teus cabelos
O doce néctar da tua saliva
O turbilhão quente de tuas narinas

A altivez orgulhosa de tuas escápulas
O irrecusável chamamento dos teus braços
O abrigo perfumado de tuas mamas
Mamilos lenhosos que me marcam o peito
A maliciosa maciez da tua barriga
A determinação pinçante de tuas coxas
A genialidade libidinosa da tua bunda
A arquitetura refinada de tuas ancas
A acidez enebriante da tua virilha
O convite imperioso da tua vagina

A experiente ligeireza de tuas mãos
A desavergonhada gula com que me olhas
A luxuriosa sabedoria da tua boca
A sutil ameaça dos teus dentes
A esperteza lasciva de tua língua

Visitas retribuídas
Buscas sem pedagogias
Encontro de recantos quentes
Frestas muradas
Crípitas labirínticas
Lábios sobre lábios
Orifícios dos mais delicados
Jóias cuidadosamente escondidas

Curiosamente
A tudo exploramos
Lambemos
Cheiramos
Circundamos
Chupamos
Mordemos
Acarinhamos
Entendemos
Catalogamos
E sem embaraços
Penetramos

Fosfenas
Silvos
Espasmos
Gemidos
Gritos
Lágrimas de prazer
Murmúrios
Risos

O gênesis renovado
Cataclismas apocalípiticos
Múltiplos ângulos
Misturados
Redesenhados
Nascendo e morrendo juntos
A cada novo ciclo

Possuidos
Esgotados
Esparramados
Abusados
Lambusados
Devassados
Amalgamados
Preservados
Protegidos

Para sossegarmos os instintos
Para que nos sintamos cada dia mais vivos
Para que viver tenha de fato valido
Para estreitarmos ainda mais nossos vínculos
Para sempre nos lembrarmos
Para jamais sermos esquecidos

26.5.15

ATA



O teu
Sexo

No meu
Sexo

Aceita
Meu amplexo

O côncavo
E o convexo

Amor
Circunflexo

Dispensa
Resumo e anexo

Despreza
Tudo que é reflexo

E pauta-te
Só no nexo

Desta história
Que me põe perplexo

Almas imbricadas
Arranjo simples e complexo

25.5.15

Existem momentos em que a mão



Insiste em desobedecer o pensamento
Mas na maior parte das vezes
Consigo contê-la a tempo

Meus mecanismos de crítica e atenção
Servos fiéis da razão
Costumam estar atentos

22.5.15

Quando estás ausente



Uma gélida planície se abre na tua medade de cama
E se estende e se estende
Até até atingir os pontos mais remotos do continente

Um deserto destituído de vida
Em que meus inúmeros braços sobram carentes
Não encontrando algo que os contenham ou contente

E quando na madrugada a temperatura desaba
O sono desobediente me ignora
Pilhas de cobertores não são suficientes

Maldita a hora em que te deixei ir embora
Não consigo descansar se não tenho como me aninhar
No teu corpo macio e pés sempre tão quentes

21.5.15

Odeio os que não perdem o controle



Os que nunca fumaram
Jamais se embebedam

Que não gritam
E ao desespero não se entregam

Os que desviam os olhos
E saem sem defender o que pensam

Que mesmo sob intenso perigo
Empacam no sinal vermelho

Os que não quebram tudo no seu entorno
Consumindo-se por dentro

Que se olham no espelho
E mesmo só vendo fragmentos

Não aceitam ajuda
Têm medo

Esperam por um mundo melhor
Mas não movem um dedo

Não protestam
Se calam

Aceitam migalhas
E tementes rezam

20.5.15

Quem vive uma grande paixão



Tem carta branca pra exagerar
Mas ainda assim é preciso tato
Nesta forma de amar

É necessário abrir espaço
Para que algo mais sereno
Possa se impor e funcionar

A maturidade traz um outro olhar
Mais apropriado
Com a realidade do par

Névoas de fantasias e idealizações
Depois de sorvidas e degustadas
Precisam se desmanchar

Pois se isso não acontecer
A razão não for contempalada
E o tom intempestivo predominar

Surgirão equívocos, frustrações
E tudo que se pensou construído
Correrá o risco de terminar

19.5.15

Infectos curtumes



Peles esticadas ao sol
Craqueladas
Rígidas feito tábuas
Reino ruidoso das varejeiras ensandecidas

Urbes ocas e sem espírito
Vertendo humores fétidos
Exsudatos gosmentos

Uniformizando tamanhos e cores
Abandonando pelo caminho
Montes de carcaças pútridas

Dos que foram derrotados
Inconformados com a ordem dos fatos
Jamais aceitos ou compreendidos

E os restos que os urubus recusaram
Ou o visgo que os vermes regurgitaram
Depois de completarem seu ciclo

Vão se transformando num pó
Delicado e fino
Inodoro e invisível

Que se espalha com o vento
Nos entra pelas narinas
E acaba incorporado
Para nunca mais ser percebido

18.5.15

Seria um erro exigi-la



Como mulher concreta
Carne e osso
Fruto de minha costela

Preciso concebê-la
Numa condição mítica
Musa imagética

Inspiração ideal e etérea
Sem a qual seria ainda mais miserável
A minha poética

14.5.15

Quando conseguires finalmente entender



Pode ser que os tempos sejam outros
Que seja tarde demais para reagir
E eu tenha conseguido novamente ver
Que um rio ainda passa por aqui
Largo e tortuoso
Avançando calmo e convidativo
Querendo levar meu barco
Para lugares distantes e desconhecidos

Pode ser que já esteja terminado
O muro que entre nós
Aos poucos foi sendo elevado
Que nossos acessos fiquem bloqueados
E se torne cada vez mais claro
O fato de que nossos mundos
Tornaram-se mesmo antagônicos, distintos
E irremediavelmente separados

13.5.15

O tempo já nos deu a sentença



Estamos todos condenados
Desde que nascemos nossos dias estão contados

As contas podem não ser lá muito precisas
Mas é certo que cada dia é menos um dia

E todos de alguma forma sabem
Que não há espaço para bagagem

Quando a luz se apaga
E neste mundo precisarmos abrir vaga

Mas nem mesmo isso serve de argumento
Para nos diminuir a soberba e clarear o pensamento

Para convencer a nós mesmos
De que não devemos desperdiçar mais nenhum momento

Do muito que já nos escapou por entre os dedos
E do pouco que ainda temos

De que é preciso abdicar da ignorância
Arranjar as coisas na exata ordem de sua importância

E nos debruçarmos prioritariamente sobre os fatos
Que fazem valer a nossa condição humana

De trabalharmos duro e seriamente
Pois disso depende a vida no planeta e dos nossos descendentes

Mas sei como é difícil tirar a bunda do assento
Rompermos com nosso encastelamento

Admitirmos que nossa visão míope
Não vai muito além de nós mesmos

Talvez seja este nosso principal defeito
A valorização excessiva do único umbigo que temos

A ilusão de sermos uma entidade superior e auto-suficiente
E o descompromisso com o meio

12.5.15

O tempo sugere que permaneçamos juntos



Acredita que neste ponto de nossos traçados
É melhor que continuemos fazendo
O que sempre fizemos:
Trabalharmos unidos
Valorizando o que temos
Reforçando os lastros
Enchendo ainda mais os bolsos com os seixos coloridos
Que encontrarmos pelo caminho

Doses diárias de amor, admiração
Confiança, carinho, respeito
E tudo o mais a que temos direito
Para poder resistir à coerência das marés
E a força dos ventos
Que nos querem ver isolados
Arrastados para continentes distintos
Distantes
Tornando impossível
Outra vez cruzarem-se nossos destinos

Pois se por esmorecimento
Crença em miragens ou capricho do divino
Esta desventura nos sucedesse
Quando chegassem aqueles momentos
De saudades, carência e sofrimento
Sem a chance de sermos resgatados
Possivelmente tristes e insatisfeitos
Acabaríamos morrendo

11.5.15

Foi o tempo quem me mostrou



Que chaves não servem para nada
Quando nas portas que se tem
As fechaduras estão emperradas
Algumas não poderão ser abertas
Outras jamais trancadas

8.5.15

Não tive tempo de te mostrar



Tudo o que encanta o meu dia
As canções que me fazem suspirar
E todas as formas de amar que conhecia

Nem mesmo as delícias
Que conseguimos experimentar
Sabores exóticos
Novas melodias
Foram suficientes para te segurar
Por pelo menos mais um mísero dia

O mundo novamente se fez notar
Conseguiu atrair tua atenção
Te seduziu com ouro
E as pérolas de um colar
Reavivando tua antiga ilusão

Venceu meu querer
Pisou no meu gostar
E transformou meu castelo
Antes tão festivo e cheio de vida
Numa montanha de escombros
Um patético coração vazio e em ruínas

7.5.15

Foi muito tempo que deixamos passar



Faltou-nos continuar
Fomos atropelados pelo excesso de acontecimentos
Não sabemos mais por onde começar
Perdemos o jeito
Agora em nossos momentos
Mergulhamos num grave silêncio
Inevitável
Desconfortável
Mas curiosamente sereno

6.5.15

Achei melhor parar de contar o tempo



Segundos e minutos de nada valem
Me induzem ao erro e ao imperfeito
A insuportável urgência da modernidade
Pretensão dos jovens e da tecnologia

As horas não mais me importam
Eu as vejo inexoravelmente perdidas
Seguindo vazias pelo ralo
Como água da bica

Dias são só uma infantil referência
Que me alivia da angústia
Vestindo uma fantasia
E fazendo a vida me parecer menos finita

Meses são roseiras plantadas à beira da estrada
Fecham a trilha e ficam com um pouco do meu sangue
A cada tentativa em mudar de rumo
Cada ousadia

Os anos se acumulam em pilhas
Incutem transformações mais lentas
Me mostram a exata dimensão de minha impotência
Insistem em me importunar com prazos estourados, promessas não cumpridas

As décadas, essas sim me convencem de que há um fim de linha
Me fazem inventariar o passado
Alguns projetos concluídos, outros arquivados para não causar mágoas ou alterar desígnios
Pura malandragem ou sabedoria
Conquistas suficientes para aquietar o espírito, perdas progressivas

5.5.15

Fora de nossa cama



De nosso quarto
De nossa casa
Não preciso saber por onde andas
Ou que verdade falas
Me importam mais
O teu crescimento
A tua felicidade
A tua segurança

Mas quando estás aqui
Em nossa casa
Em nosso quarto
Em nossa cama
Que sejam só meus os teus pensamentos
Sejam só teus os meus abraços
Que o nosso prazer seja pleno
E nosso amor intacto

4.5.15

Sempre soube



É teu o meu destino
Não tenho como escapar
Basta ver a letra
Que na palma de tua mão
A natureza
Fez questão de gravar