26.2.10

Haiku inspiration 18


Algodão gigante
No inverno pantanal
Árvore é ninhal

25.2.10

Minha boca errante


Em ti encontra abrigo

Despe-se das armas
Trata da linguagem
Ferida e truncada

Abandona o grito

Restabelece as forças
Recupera a fala
Para então retomar a estrada

24.2.10

Fórcipe


Enfia a tua mão em minha boca
E arranca lá do fundo
Este grito contido

Usa toda a tua força
Carrega-o para longe
E deixa que despenque em algum precipício

Quero que se vá
Que perca o caminho
Que não retorne e não seja mais visto

Assim quem sabe se desgaste
Ecoe no vazio
Até que finalmente se apague

23.2.10

Conscrição


Imagem
Nada sólido
Em nós é

Líquida consistência
No limite de tudo
Também não

Pensamento ingênuo
Viajante cego
Universo em expansão

Face sulcada
Espaço tempo matéria
Inútil diferenciação

22.2.10

Sonho


Um muro de pedras
Se ergue por trás de minhas costas
Rouba metade de meu mundo
E me empurra para o abismo à frente

Emerge deste brutal monumento
Uma garra com unhas afiadas
Que transfixa o meu crânio
Me prende pelas órbitas
E me impede de olhar para o chão

Nada sinto

Uma névoa vermelha
De sangue e vento
Tinge o meu rosto
E embaça a paisagem

Dias e noites se sucedem

Com o corpo ressequido e magro
E o pensamento dormente
Poderia permanecer assim suspenso no ar
Tranquilo para sempre

19.2.10

Vasto mundo


Não há como sentir saudades
Do que não existiu

Não é possível lembrar
De quem nunca veio

18.2.10

Não é preciso pressa


Quando nasce o dia
Deixo de ter
Vontade de morrer

12.2.10

Olhares


Vida
Nanquim

Sonho
Aquarela

Poesia
Óleo sobre tela

Colocamos excessivas esperanças na morte


Como se de tudo
Ela fosse capaz

Como se a tudo
Pudesse resolver

Encerrar de vez
A (in)cansável busca

Vértice definido
Palpável encontro
De paralelas no infinito

11.2.10

Os registros de uma vida


Marcam
As sete superfícies
Da cúbica existência

E mesmo que se tente
Insistentemente
Limpar
Lixar
Raspar
Arranhar
Desfazer as impressões
Elas ficarão lá registradas

Máculas imprecisas
Riscos que se enovelam
Étnicos grafismos
Fotografias sem foco
Cinéticas imagens cifradas
Transcendentes aromas
Sólidos pontos de apoio
Amniótica morna líquida lembrança

É preciso amar de longe


Assim como de perto
Pensar no outro com saudade
Perceber na mera lembrança do corpo
O despertar da vontade

Estremecer no reencontro
Desarmar ressentimentos
Submeter-se a tudo
Confiar que se é confiado

Desejar da quase convulsiva inconsciência
Ao esmorecimento pleno
Malemolência feliz
A olhar o não pensamento

Resulta do esforço


Para uma boca sem fome
Só restam a constatação
E o lamento
De que neste céu
Não há emoção

Faz falta o amor
Não basta o gozoso momento
Átimo efêmero
Conseguido apenas
Com trabalho e tempo

10.2.10

Tocar estrelas


Como notas musicais
De um quebra-cabeça celeste

Piano aleatório
Com incontáveis teclas

Xadrez intrincado
Difícil de entender as regras

(De tanto tentar)
Uma coisa já descobri:
Não se pode tirar do tabuleiro as peças

Calor


Janela aberta
No chão as cobertas
Suor que a pele refresca
Enquanto passeia a brisa
Divertem-se as cortinas

Respiração ao silêncio retornada
Você lá eu cá
Distância ao máximo encurtada
A impossibilidade térmica do toque
E o sono que aos poucos nos engole

9.2.10

Bebamos


À vida quando nos visita
Bebamos
À sua líquida presença

Guardas abaixadas
Caras rosadas
Falas arrastadas

Lágrimas necessárias
Sentidos acertos de contas
Arrependimentos sinceros

O mundo perdoado
Tudo para todo o sempre resolvido
O universo um organismo

Ressaca
Amnésia temporária
A solidez retomada

Como chave e fechadura


Minha boca
Cola
Na tua boca

Minha língua
Encontra
A tua língua

Ajusto-me no relevo
Para só assim
Ser possível o movimento

A abertura delicada
De tuas portas
Me convida para dentro

Quantos segredos
Se revelam
Neste pequeno compartimento

É lá que quero viver enquanto viver
O lugar
Que (de surpresa) escolhi para morrer

Muito se fala


Pouco se ouve

Muito se repete
Pouco se digere

Ler
Caiu em desuso

Pensar
Quase uma contravenção
(E dá um trabalho...)

Escrever então
Um ato revolucionário
(Aonde quer chegar com toda essa especulação?)

Agir
(Acho que agora basta)
Lembre-se que sacrilégio é passível de excomunhão

8.2.10

O que não pode ser contido


Ilhas
São espinhos
Perfuram
Mares tecidos

Vulcões
São agulhas
Projetam fios
Unindo espinho com espinho

Malha que se espraia
Alcançando continentes
Revolta do miolo
Contra a casca imponente

5.2.10

A madrugada é meu campo



A caneta meu arado

Planto palavras enquanto sonho
Dormindo ou acordado

Por um tempo repousam silentes
Acomodadas no papel canteiro

Até que algumas despertam umidamente
Pelas mãos do poeta jardineiro

As mais vigorosas
São transplantadas para vasos

Assim lhe saem melhores as flores
E seus tons (podem ser) mais facilmente observados

4.2.10

Uma vida inteira pode não durar mais que um instante


Reconhecer seu reflexo no espelho
No vislumbre de um único momento

E quando a mão toca a superfície vítrea
A ondulação leva longe a imagem distorcida

No percurso lento se desmancha
E na margem já é desaparecida

3.2.10

Já vi este filme


Deixa-me pegar na tua mão
E mostrar-te o caminho

Segue nesta direção (não pares)
Mesmo que o chão seja de espinhos

Ao dobrares a quarta esquina
Encontrarás a tua sina

2.2.10

Seguindo o instinto


As maritacas cavocam fundo
Nas frestas da fachada de casa

Precisam de um canto seguro
Pois a ninhada não tarda

Chegam ao telhado
Desarranjando o conjunto

Até que uma telha se solta
Desliza e despenca

O teto do carro (mesmo sem saber)
Salvou-me a cabeça

1.2.10

Nada ficará esquecido ou se perderá pelo caminho


Tudo pode ser engolido
Digerido
Até mesmo vomitado
Se como nocivo logo for identificado

Ainda somos capazes de absorver
O que se fizer por merecer
E excretar
O que não nos interessar