23.11.09

O cansaço


É inimigo da criação

A mediocridade
O grande risco

E o tédio
O pior dos venenos

20.11.09

Encontrei o piano



Por décadas no porão esquecido

Hibernava coberto por caixas
E uma espessa camada de poeira

Tocar-lhe a madeira (de imediato)
Fez-me devolvê-lo à sala
E ouvir desfilarem no ar
Os mesmos sons
Que um dia vestiram de vida a nossa casa

19.11.09

Os cães de minha rua


Sempre tão audazes e ruidosos
Nesta madrugada
Silenciaram abruptamente

A isso seguiu-se uma rajada de ventos
E um emaranhado de luzes riscou-lhes as retinas

Recolheram-se assustados
Com as vozes sufocadas
Por monstros invisíveis e roucos

Em sua sabedoria
Foram unânimes em concordar
Que em noite de tempestade
A morte é quem faz a ronda
E é melhor manter seu olhar do lado de fora

18.11.09

Dormir até durmo


(para Eliana Rubim)

Mas não me abro
Aos sonhos

No momento
Isto seria exigir muito

17.11.09

Um descuido da memória


(para Virna Teixeira)

E o relógio de bolso
Entra pela janela
E instala-se sob a cama

Interrompe seu trabalho
Para não mais ser ouvido

Não há como vê-lo
Mas continua lá
Eu sinto

16.11.09

Dê-me a chave da noite


(para Orides Fontela)

Só o horizonte faz algum sentido
Fomos vencidos pela solidão
E agora dormir é preciso

13.11.09

O último paralelepípedo de minha rua


(para Maria Helena Sato)

Não permiti
Que fosse pelo asfalto soterrado
Trouxe-o para casa
Como um troféu conquistado

Bloco ígneo
De granito cinza e pesado
Moldado ao longo de eras
E muito útil para na cabeça de alguns ser lançado

Ponteado de pequeninas luzes
Incrustações de quartzo
Delicadamente espalhadas
No amorfo substrato

Lembrança de um tempo
Em que a terra (um pouco menos generosa)
Não tinha seus poros vedados
Por nenhuma manta betuminosa

12.11.09

Algumas dores secretas


(para Ana Cristina Cesar)

Me apontam
E avisam:
- Ainda estás vivo!

11.11.09

A dor que habita o poema


(para Mário de Sá Carneiro)

Quando lavrada em documento
É como uma promissória
Que no cartório depositada
Em sua devida hora
Há de ser executada
Com suas respectivas taxas e emolumentos

10.11.09

Naquele instante


(para Sylvia Plath)

Sem embaraço ou controle
Minha mão encontrou-lhe o joelho
E de lá recolheu gotículas de orvalho

Delicadas porções de calor
Temperatura boa
Tão surpreendente quanto (previamente) desejada

9.11.09

31,2°C


(para Neide Archanjo)

Inadmissível calor noturno
Que cozinha até mesmo as vontades

Sem alcançar o sono
Só me restam os problemas do mundo resolver

Por que trabalham tando os insetos
E até tão tarde?

Aqui deitado sem um músculo mover
Sou quem decide pelo destino desses pobres alados

6.11.09

Durante sua ausência


(para Mia Couto)

Não esqueci
Nem por um dia
O jardim de molhar

Mas as plantas estiveram chorosas
Insatisfeitas
Pareceram de minha intenção duvidar

Ouvia por todo o tempo um lamento
A queixa de que aquela água apesar de farta
A verdadeira sede não conseguiria saciar

5.11.09

Minha palavra


(para Pedro Cezar)

Não se aceita rígido espelho

Molda o reflexo
Na superfície do lago
Como ondas em alvo

É intérprete da pedra
Que lançada
Atinge um ponto preciso
Penetra no corpo líquido
E cumpre a sina
De ir ao fundo
Para adormecer no silêncio

4.11.09

Haiku inspiration 17


(para Alice Ruiz)

Sol matutino
Brilho mofadomuro
Lesmadrugada

3.11.09

Filhos


Túnel longo
Muitas curvas
E uma promessa de luz