28.5.09

Absens


(para o meu pai)

Já são vinte e um anos
E ainda me dói ver na sala a poltrona vazia
Com os braços pelo tempo lustrados
E o teu contorno no assento marcado

Alguns pequenos furos causados pelas brasas
Que por anos voaram vez ou outra de teus dedos dormentes

Ficavas ali sentado
Por horas sem fim
Um tempo enorme
Tempo demais
Um olhar distante
Que o próprio tempo parecia atravessar

Eu te observava à distância
Sem entender o que via
E sem coragem de perguntar
Imaginava o mundo em que estavas
Tua figura seria e fechada
Despertava em mim estranhos sentimentos
Um misto de receio
Mistério e encantamento

Só lamento não ter tido à época
Uma vaga ideia da tua importância
E do vazio enorme que a tua ausência causa

Se pudesse voltar o tempo
Faria o não feito
Me achegaria de ti
Te daria um abraço forte
E não te largaria
Nem mesmo se me pedisses

Te falaria de mim
De minha vida
Meus anseios
Sonhos
Medos

Tentaria te ouvir
E entender
Ao menos um pouquinho
Antes de
Por fim
Irremediavelmente
Te perder

Não te deixaria tão sozinho
A espera da morte

2 comentários:

Caio Bulhões disse...

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Drummond, direto do túnel do Tempo.

Abraços,

Caio

Anônimo disse...

Estou com lágrimas a cair-me dos olhos e nem sei porque.
Fica bem
Dri