31.10.16
28.10.16
Não falar com os pequenos
Sobre as questões que lhes vão aparecendo
É uma crueldade absurda
Por que deixá-los inseguros
Ou sentindo culpa
Por não saberem se é certo ou errado
O que descobrem fazendo
Em baixo dos lençóis
Ou sozinhos no banheiro?
27.10.16
A única queixa efetiva
Em relação à juventude perdida
Que angustia este velho poeta prostático
É a diminuição nítida
Da eficiência de seu jato urinário
26.10.16
Não há como apagar uma história
Esfregando a borracha no papel
Se sangue foi a tinta com que foi escrita
E como numa foto antiga
A imagem desbota, borra
Mas não se esgota
E nem mesmo a tesoura poderá eliminar de vez
Aquele que já deveria ter desocupado a tua memória
O corte pode mantê-los afastados, isso é fato
Mas basta que seus corpos sejam reaproximados
Para observar o perfeito encaixe dos pedaços
25.10.16
Há os que sofrem demais
Sofrem bem mais do que precisariam sofrer
E enquanto sofrem aquela porção a mais
Perdem a oportunidade de ter prazer em viver
24.10.16
Ele voltou
Sentou em sua frente e afirmou
Que não havia nada para ser explicado
Pediu que tentassem de novo
E que toda a mágoa deveria ser confinada no passado
Perguntou se o seu lugar no quarto ainda estava vago
Ela respondeu que sim
Ele então subiu
Trancou a porta atrás de si
E pode ser ouvido pedindo paciência e tempo
Disse por fim que logo estaria pronto
Mas que por enquanto não deveria ser incomodado
21.10.16
O amor
Mesmo de verdade
Pode ficar cansado
Acredite, isso é uma realidade
Acontece com frequência
Quando o amor é sedentário
O amor
Mesmo de verdade
Pode se tornar esclerosado
Acredite, isso é uma realidade
Acontece com frequência
Quando o amor para de ser desafiado
O amor
Mesmo de verdade
Pode ser engavetado
Acredite, isso é uma realidade
Acontece com frequência
Quando o amor deixa de ser valorizado
O amor
Mesmo de verdade
Pode atrofiar como um braço quebrado
Acredite, isso é uma realidade
Acontece com frequência
Quando o amor fica muito tempo imobilizado
O amor
Mesmo de verdade
Pode virar um cadáver embalsamado
Acredite, isso é uma realidade
Acontece com frequência
Quando os pequenos fracassos do amor se acumulam
E não são trabalhados
20.10.16
Pandora
Da primeira vez foi mais fácil aplicar a sentença
Aquele amor infante, ainda que esbelto e galante
Já apresentando defeitos de constituição
Foi condenado e aprisionado
Cabendo certinho numa caixa de sapato
Amarrada com corda de nylon
Ficando por décadas no fundo do armário
Mantido em hibernação
Até que um dia
Tua curiosidade o fez renascer
A liberdade lhe renovou o querer
Deu-lhe força e determinação
E agora adulto recusa a prisão
Alegando que no espaço em que estava
Já não lhe cabe nem mais uma mão
E que precisa estar livre para poder retomar
O que um dia lhe foi tirado
Numa ardilosa conspiração
Mas quem determinou sua reclusão
Não quer ceder a insanos anseios
Nem acreditar em argumentos ingênuos
Pois mesmo tendo se passado tanto tempo
Não foi declarado prescrito o motivo da ação
Esse amor não tem chance de conquistar terreno
Não se pode fazer voltar o tempo
Estão diferentes os protagonistas do enredo
Mas nunca foi perdoada a traição
E mesmo que fique liberto, belicoso e sedento
Já está condenado a vagar para sempre
A esmo e em total solidão
19.10.16
Nunca mais tinham se visto
Mas ela não o esqueceu
Manteve um retrato seu sobre o aparador
Para sempre poder lembrar
De um tempo em que se bastavam
E que não havia mais nada no mundo
Que os pudesse preocupar.
Ela nunca entendeu o exato motivo que o fez emigrar
E sofreu, ano após ano, até a última lágrima secar.
Eis que, um dia, sem ao menos avisar
Com ar cansado e maltrapilho ele bate à porta.
Ela (atônita) finge não o reconhecer
E antes que alguma alegria pudesse demonstrar
Tenta saudá-lo como quem interrompe um afazer
Mas sem conseguir conter o entusiasmo
Logo acaba por atirar-se e abraçá-lo
Convidando-o para entrar.
Ele declina
Diz que estava por perto
De passagem
Que se lembrou dela
Que teve saudades
E quis vê-la
Para outra vez
Tentar se desculpar.
Pediu água
Bebeu devagar
Agradeceu respeitosamente
E parou de falar
Sem disfarçar a distância no olhar
Despediu-se
Deu-lhe as costas
E retomou seu caminhar
18.10.16
A ideia fixa na cabeça
O nó na garganta
O disparo do coração
O frio na barriga
O suor nas mãos
O amolecimento nas pernas
O comichão que vira tesão
O repertório de esquisitices só aumenta
Quando surge a paixão
E não há como viver plenamente um sentimento
Sem aceitar de corpo e alma a emoção
17.10.16
A dor do amor
É muito mais doída
Quando se costura a boca
Daquele que a vivencia
Condenando-o ao eterno silêncio
Negando-lhe o tiro que o libertaria
14.10.16
Um livro que nunca foi lido
Ainda que seja bom
É um grande desperdício
Não vale nada
Nem mesmo o peso do papel
Obtido da árvore que se deu em sacrifício
13.10.16
Cegos de medo
Meus olhos não te reconheceram
Precisei sentir teu cheiro
Para que te enxergasse
O meu desejo
Dormentes de medo
Minhas mãos não te reconheceram
Precisei acender a luz
E conferir a cicatriz
Que encontrei em teu peito
11.10.16
10.10.16
O que importa mesmo
É que o amor do momento
Tem que ser único e verdadeiro
Não importa se em pouco tempo
Possa ser outro o amor do momento
Mas se também for único e verdadeiro
Estará igualmente valendo
7.10.16
A noite
De gemidos e sussurros
Sossegou esvaída
E sem conseguir conter-se em escuro
Necessitou adormecer
Cedeu lugar ao dia
Com sua pressa e gritaria
Sonhando-se restabelecida
Confiante de que irá reaparecer
6.10.16
Alto lá meu senhor
Dispenso teu poder abusivo
E te garanto que mesmo num mundo
De vinganças e livre arbítrio
Jamais seria teu abusador
Pois não é isso que ensino aos meus filhos
5.10.16
Enquanto
Procuro por minhas meias, meus sapatos
Envergonhada escondes o rosto
Maquilagem borrada os olhos já tão inchados
Em silêncio, no escuro me levanto
Pisando em velas apagadas, taças
E restos de vinho derramado
Enquanto
Ajusto o nó da gravata
Disparas a proferir bravatas
Ofensas disparatadas
Mas não tens forças para sustentá-las
E mergulhas numa tristeza muda
Seguida de nova cascata de lágrimas
Enquanto
Confiro se tenho batom no colarinho
Se o paletó ressente a tabaco
Ou a perfume desconhecido
Juras que me matará e que também morrerá
Que a vida sem mim não tem mais sentido
E que não voltarei para aquela que se colocou em nosso caminho
Enquanto
Desço as escadas ouço mais que um grito:
“Se cruzares aquela porta
A última coisa que ouvirás será um tiro”
Me viro, me aproximo
Dou-te um beijo apaixonado e digo:
Até outro dia minha Linda, agora volte a dormir, Eu te ligo
4.10.16
Cala esta tua boca vomitadora
Deixa de repetir as bobagens inúteis
Desta era insana e oca
Despreza um pouco o teu entorno e ouve o que diz
A voz desesperada que ainda grita dentro de ti
Seiva elaborada com o que há de mais verdadeiro
Te fez arvore ao longo do tempo
Raízes profundas, suficientes para nutrir-te
Somente com o bom alimento
3.10.16
No começo
Sobram do amor que acabou
Apenas lembranças
Lamentos pelo que deixou de existir e sofrimento
Até a liberdade que se ganhou
Prende mais que qualquer calabouço escuro e estreito
E mesmo a autonomia que se conquistou
Conforta menos que um barraco destelhado pelo vento
Numa noite de chuva no inverno extremo
Mas tudo muda com o tempo
As feridas cicatrizam
A dor tende a doer cada vez menos
E a liberdade e a autonomia começam a fazer sentido
Quando o olhar desiste de focar apenas os pés
Passa pelo horizonte e chega ao firmamento
Assinar:
Postagens (Atom)