26.9.14

A dura realidade do peixe



Que debaixo d'água
No mar
O próprio sal
Não consegue diferenciar

Não obtém alívio de sua dor
Por não ter como observar
As lágrimas sentidas
Que deixou escapar

25.9.14

Mulher, Mulher



Acuaste-me sobre a cama
Com estes teus olhos
Profundos
Imensos
Olhos carregados de desejos
Injetados pela paixão
Para os quais não há como ter segredos
Despejaste-os sobre mim
Paralisando-me na fuga
Me comendo por dentro

Fecha-os agora mesmo
Abranda a tua fome
E acalma-te
Predadora felina
Desmancha-te
Em bocas
Mãos
Tetas
Cus
Bocetas

Esfrega cada parte
Sobre minha pele porosa
Sugadora e sedenta
Pois embora rendido
E refém
Também sou fera
Sou forte
Sou fraco
Sou homem
E não resisto a tanta oferenda

24.9.14

Não te empenhes demais



Para ter a quem não queres tanto assim
Não permitas que o desafio da conquista
Seja o que mais ativa a tua energia

O desinteresse não tardará a chegar
E assim que tiveres cativa
Aquela que acreditou na tua fantasia

Vais abandoná-la sem titubear
E isso não se faz
É pura covardia

23.9.14

No amor



Não se deve ter pressa
Em partir

É preciso ficar
Enquanto ele existir

Pois do amanhã
Nada se pode saber

E será triste
Ter que conviver

Com o arrependimento
De não mais poder desfrutar

Do que foi tão bom
E jamais poderá voltar

22.9.14

Tenho estado meio assim



Me sentido meio estranho
Sim
Preocupado
Em um dia acordar
E ao olhar no espelho
Logo cedo
Simplesmente ali não me achar

Temo neste momento
Não ter ninguém
Que me ajude a entender
O que esteja acontecendo
Que vá ao meu encalço
Mergulhe fundo no labirinto
Até me encontrar
Que me coloque de volta no caminho
Retorne sozinho
E tenha a paciência de me esperar

19.9.14

Se conheciam tão bem



E nem precisaram de muito tempo
Para que se entendessem
Melhor até que a si mesmos
Permitiram-se um acesso
Sem reservas
E disso nunca se arrependeram

Gravaram na memória
Cada olhar cortejado
Cada avanço negociado
Cada toque mais ousado
Cada palavra murmurada
Ou cantada como numa ária

Fizeram dançar as línguas
Alimentaram-se com suas salivas
Dormiram aninhados
Comparando as topografias
Pondo atenção no entendimento
De cada detalhe do relevo

Estreitaram suas vidas e suas rotinas
Trocando juras de amor
Respirando o mesmo vapor
Rindo quando a fornalha acendia
Alagando de sentimentos
Todos os compartimentos

Visitaram sensações inusitadas
Que sozinhos jamais seriam alcançadas
Ajudavam-se puxando um ao outro
Para que chegassem juntos
Ao cume do morro
E apreciassem de lá a paisagem

Mas veio a guerra
E acabaram em lados opostos
Seus povos tornaram-se inimigos
E se viram em situação de conflito
Matando semelhantes
Sem nem mesmo entender o motivo

Quis o destino que se encontrassem novamente
Mas desta vez com sangue nas mãos
E dispostos ao extermínio
Reconheceram-se prontamente
E a morte só não aconteceu
Porque a mão não obedeceu

Não tiveram forças para acionar o gatilho
E com os olhos baixos e sem nada falar
Cada um deixou o outro passar
Seguindo em frente no seu caminho
Sabendo que jamais seriam capazes de apagar
O que um dia foi infinito

Hoje não existem mais perspectivas
Se acham confinados em trincheiras
Cavadas em seus próprios domínios
Abriu-se entre eles um abismo
Mas cultivam em segredo as lembranças
De como um dia foram felizes

Tudo que lhes restou de palpável
Ficou resumido nas fotos de um pequeno álbum
Umas poucas imagens para que lembrem
Que o que viveram não foi sonho
Aconteceu neste mesmo mundo, num tempo recente
E que ainda não se sentem assim tão diferentes

18.9.14

Apega-se a uma vida tacanha



Tem medo de tudo
Só decide usando sapatos de chumbo
Recusa-se a voar

Até admite que existe um muro
Mas não quer nem mesmo saber
O que do outro lado é possível encontrar

17.9.14

Amor que é amor



Não cede espaço
Mesmo quando sente medo

Não recua
Por motivo alheio

Não falha
Usando velhos argumentos

Se não evoluiu com o tempo
Fracassou bem no meio

E amor pela metade
Não é amor

Acaba ficando sem graça
Vira um inútil passatempo

16.9.14

Acho que nunca nos daremos bem



São muito parecidas
As nossas diferenças

15.9.14

O tempo chegou



Viu que a porta estava aberta
Anunciou-se em voz alta e entrou

Não se desculpou pela demora
E sem que ninguém autorizasse levou embora

O que o silêncio há muito escondia
O corpo de um amor já sem vida

Era preciso dar-lhe um fim honroso
Para que tivesse paz em seu eterno repouso

Um sepultamento digno de um guerreiro
Que lutou todas as batalhas fora de seu reino

Colocando na bandeja o próprio coração
Doando-se inteiro por uma paixão

12.9.14

Minha poesia para existir precisa de você



Para existir precisa falar com você
Precisa fazer amor com você
Falar de amor com você

11.9.14

A infelicidade



Entope o ralo da vida
Aprisiona os sentimentos
Fazendo subir o nível da angústia
Na sua forma mais dolorosa
A líquida

Veem-se torneiras abertas por todos os lados
Inalcançáveis bicas
Despejando uma enxurrada de abominações
E desesperadoras tristezas
Capazes de abalar até a mais robusta das naturezas

Quando alcança os joelhos
Já é possível sentir os pés pesados
E como se torna difícil sair desse espaço
Seja escalando as paredes
Ou tentando os primeiros passos

Com o lago na altura da cintura
Começam a ficar comprometidas as estruturas
Mas não se deve agir com desespero
Pois ainda há tempo para uma solução
Se houver astúcia e determinação

Contudo, se o pescoço foi atingido
Por certo o indivíduo se arrependerá lá no íntimo
De não ter aprendido a nadar
De recusar-se a seguir seu instinto
Ou de não ter subido no barco quando lhe foi oferecido

E se o corpo finalmente acabar todo imerso
Ainda assim nem tudo estará perdido
Lhe restarão duas saídas possíveis
Para resolver este embaraço tão complexo
Desde que seja abandonado o imobilismo

Deverá se arriscar de uma vez
Mergulhando
Tentando alcançar o fundo
E arrancar a rolha
Que impede o escoamento do fluido

Ou precisará suplicar aos céus
Para que surja uma mão milagrosa
Vinda de cima e o tire daí
Mesmo que seja às custas
De uma subserviência eterna e dolorosa

10.9.14

Nos jogos do amor



Só os empates
Geram vencedores

Mas para isso é necessário
Que se jogue limpo
E com todas as cartas do baralho

Porém se uma das partes
Não se empenhar de modo adequado
Ou mantiver algo na manga
Esperando o momento apropriado
Para virar a partida

Mesmo que se ouça o grito
- Bati!
E alguém pense ter ganhado

Neste embate
Só restarão perdedores

9.9.14

O homem está velho



Ranzinza
E decepcionado com o mundo

Se vê no fim da linha
Queixa-se das dores
De estar só
Das incompreensíveis mudanças
Reclama de tudo

Mas bastou cutucar um pouco os arquivos
Remover a poeira lá do fundo
Para encontrar algumas lembranças
Álbuns antigos
Fotografias mofadas
Há muito perdidas
E por traças bastante comprometidas

Um calhamaço imenso
Folhas e folhas de imagens borradas
Ou que simplesmente desapareceram

Quantas experiências perdidas?
Quantos sentimentos sucumbiram
Por força da sobrevivência
Tiveram que amadurecer
Mudar na essência
Ou serem dali transferidos?

Mas por uma incrível resistência
Algumas imagens persistiram vivas
Cheias da lógica pueril
Tão peculiar aos pequeninos
Enferrujadas pelo tempo
Guardadas desde que era menino
E ainda carregadas de inocência
Curiosidade e encantamento

Vestígios de ingenuidade e fantasia
Que poderiam no hoje
Aliviar para este homem
O peso de seus dias

Presentear-lhe os olhos com alegria
Provocar a cumplicidade dos netos
Devolvendo para as coisas
Um pouco da antiga óptica que foi só sua
Trazendo mais cor e sabedoria
E tornando menos chata a vida

Mas ele não está disposto
Não quer saber do que soa como poesia
Ou considera morto
Sela seu destino sentado na poltrona
Em frente ao vídeo
Deixando-se levar pelas bobagens dos outros
Esperando que a natureza
Trabalhe com suas ferramentas
E que não lhe seja exigido nenhum esforço

8.9.14

Nossas vidas



Nunca mais foram as mesmas
Depois de tudo que vivemos

E pensando nisso
Confesso

Não sei se me culpo
Ou te agradeço

5.9.14

Não quero mais que ponhas as mãos em minhas meias



Entendo que é uma forma de cuidado
Mas quando o fazes
Não sei por onde vagueia a tua cabeça
Ao formares as bolinhas
Não enxergas tamanho e cor
Como diferenças

Aí depois com os pés no chão
Na fria penumbra matutina
Não é raro encontrar
E até mesmo calçar
Preta com marrom
Grande com pequena

Prefiro que me agrades com outros mimos
Uma sopa quentinha no final de um dia difícil
Um cafuné oportuno se o sono não está vindo
Ou que tuas mãos me acordem no meio da noite
Com um toque delicado e vivo
Surpresa cheia de desejo e carinho

4.9.14

Se o amor ainda respira



Não sejamos loucos
A ponto de matá-lo por asfixia
De cortar-lhe os pulsos
Eliminando-o por hemorragia

Ou até mesmo de condená-lo ao desprezo
Castigo que leva a uma lenta agonia
Vestindo-o de silêncio, envenenando-lhe a alma
Com tristeza e apatia

Ações que nos diminuem como humanos
Salientando nossa irracionalidade fria
E justamente quando algo bom está acontecendo
Aceitamos viver com o que não nos vê no dia a dia

Se nos acovardarmos e acomodarmos
Por pura falta de ousadia
Cederemos a própria mão apunhalando-o pelas costas
E sem misericórdia daremos cabo de sua vida

3.9.14

Pouco antes do fim



Ainda se riam com gosto
E comentavam com frequência
Daquele saboroso dia em que se conheceram

Lembravam que nunca se apresentaram direito
E nem mesmo se repararam muito
Naquele festivo momento

Almas gêmeas e ingênuas
Não imaginaram que se pertenceriam
Tão completamente e por tanto tempo

Que suas vidas se entrelaçariam
Ao ponto de confundirem as histórias
E completarem-se nas falas e pensamentos

Que se vestiriam tão bem com seus corpos
Que prefeririam os mesmos países
Vinhos e sonetos

Que celebrariam juntos as vitórias
As conquistas, a penca de filhos
E o recíproco crescimento

Mas como tudo na vida
Nada está seguro
E isento de arrefecimento

O tempo passou e fez sentir seu efeito
E o que era mágico ele não matou
Mas o vermelho vivo opacificou

Foram aumentando os momentos
Em que se perdiam um do outro
E surgiu um inédito distanciamento

Passaram a sentir um leve estranhamento
O tom dos diálogos ficava mais confuso
A necessidade de detalhar explicações ia crescendo

Fechavam-se em divagações silenciosas
Não ouviam mais as mesmas músicas
E passaram a se tocar apenas com as costas no leito

Começaram a brigar por motivos tolos
Firmavam posições duras demais
Sem a possibilidade de mudanças no entendimento

Suas rotinas não mais coincidiam tanto
Os momentos juntos à mesa rareavam
E uma inédita tristeza passou a ser respirada

Antes que a vítima fosse o respeito
Tentaram resgatar a plenitude do envolvimento
Mas de comum acordo viram o fim do relacionamento

Um fim compreendido e maduro
E como quase tudo nesta história
Perfeito

Não foram necessárias palavras pesadas
Ambos perceberam
E julgaram que era o melhor a ser feito

Pois este fim lhes devolveria a si mesmos
E como sempre acontece com tudo que acaba
Obriga a pessoa a um inevitável recomeço

E hoje, depois de muitos acontecimentos
Em que trilharam caminhos distintos
Se veem em paz neste novo momento

Construíram uma relação mais leve
Ainda permeada de amor
Mas em outras bases, de outro jeito

2.9.14

Pássaros de asas atrofiadas



Que expulsos da gaiola
Se veem desalojados do abrigo

Cárcere cruel e insensato
Que os reteve por tanto tempo

E agora não os quer mais presos
Negando-lhes o antigo ninho

Estão livres
Mas desacostumados de voar

E perdidos
Optam por caminhos distintos

Cada qual tendo que dar conta de si
Assumindo os próprios riscos

Recorrendo às memórias
E redescobrindo-se juntando vestígios

Afinal, queiram ou não
São aves capazes e seres ainda vivos

1.9.14

Canta desesperado o sabiá



O inverno já dá os últimos passos
E ele precisa terminar seu ninho

As fêmeas clamam por amor
É necessário acasalar

Teima em apanhar pela raiz
Os pezinhos de planta

Que com tanto custo
Em meu quintal tento cultivar

Sabiá, sabiá
Assoberbado passarinho

Entendo a sua natureza
E a urgência em procriar

Como macho solidário
Não me esqueci do amiguinho

Mas por favor leve só o que conseguir
Com o próprio bico carregar

Será o suficiente para que com jeitinho
Sua nova morada possa edificar

E deixe o que para mim é alimento
Afinal também mereço aproveitar

Mas caso insista
Em todas as verdurinhas arrancar

Deixarei entrar o gato do vizinho
Para esta festa de uma vez fazer acabar