E a imaginação se deixa levar
Pela névoa gosmenta
Quase sólida
Que reveste a paisagem
Os vapores do vinho em excesso
Rodopiam pensamentos
Pintam de prata
Os espinhos dos conflitos
Agitam as cabeleiras do desespero
Ventaneiam com extrema força
Tentando dissipar tormentos reprimidos
Caem borrascas repletas
De ensurdecedores silvos
Ciclotímicos
Paranoicos
Lagartos pícnicos
De mãos atadas
Com suas línguas amputadas
Ousados
Mas tímidos
Velhos espectros
Campeiam searas estéreis
Em busca de memórias falsificadas
Sentimentos prosaicos
Amores não consumados
Estéticas inventadas
Sofrimentos requeridos
E sobras das latas de lixo
O pulso fraco e elástico
O suor gélido da angústia
O amargo hálito da culpa
A pele plúmbea e desvitalizada
A parte podre da fruta
Que sempre chega antes às papilas
Acompanham o arraste
Da marmórea carcaça inflamada
Cansada de enfrentar tantas colinas
E suportar as dores de pés abscedados
Há crostas de um sangue negro e
pegajoso
Nos pontos do corpo
Atravessados por flechas
enferrujadas
Na tentativa de voltar para casa
Chovesfria subitamente
Não há marquises nem agasalhos
A morada distante
Distancia
E o andarilho no centro do asfalto
Perseguido por serpentes albinas
Perde-se na conta dos postes
Excessivamente iluminados
Desvia dos cães
De olhos injetados
Teratomas de ódio
Uivando para a própria imagem
Na superfície das poças d'água
Erupção magmática de saliva
Dentes pútridos
Em bocas carniceiras e envenenadas
Uma legião de sombras pervertidas
Se posiciona nas esquinas
Preparando ciladas
Com argumentos caducos
Empíricos e pouco testados
A gravata apertada sufoca o grito
Um rato insiste em ser amigo
Mas com seres desta estirpe
Não se deve estabelecer diálogo
Hoje a lua não surgiu
A vontade de ver o ser amado inverte o
viver
O sol voltou pelo mesmo caminho
Que no dia anterior sumiu
As putas fumadoras de crack
Quando desocupadas
Coçam suas sarnas
Roçando as costas nos muros
chapiscados
Protegem sua nudez cadavérica
Dos olhares pudicos
Vestindo casacos encardidos
E fugindo do orvalho
Disputando entre si os orelhões
quebrados
A água que sai do chão
Encharca o céu de um vermelho intenso
A enxurrada retarda as passadas
Encharca galochas
E as meias puídas pesam
Não comportando todas as lágrimas
Transformam expressões atônitas
Em sardônicas máscaras desalmadas
E quando não se morre afogado
De frio ou de desgosto
O alívio da dor se dá pela asfixia da
alma
Socando para dentro da própria
garganta
O mesmo pano que Verônica usou
Para enxugar o rosto
Daquele que abandonado
Não era mais corpo
Mas a semente de algo que quando surgiu
Não se entendeu
E para sempre virou justificativa
Para toda espécie de mentira