Acordei com saudade de um tempo
Que agora percebo
Perdeu-se para sempre
Tempo que partiu com os bolsos cheios
Carregados de retratos
Todos inteiros
Apenas os mutilados me restaram
Aqueles que com raiva rasguei
Separando-te de mim e que do fogo escaparam
30.8.10
27.8.10
25.8.10
Excesso de uns
Eucileide única filha
De mãe solteira (já falecida)
Criada por uma tia
Que (dizem) hoje mora na Argentina
Deixou as fraldas antes mesmo de andar
Aos onze comungou
E na faculdade nem um semestre chegou a completar
Nunca mais estudou
Perdeu a virgindade logo com o primeiro namorado
Depois de um aborto não quis mais estabelecer laços
Sonhava engravidar quando fosse o momento
Mesmo sem útero e com um só ovário
Representante comercial autônoma
Trabalhava em casa e por telefone
Uma kitchenette alugada na Maria Antônia
Apartamento 111
Das poucas vezes que a ouviram falar
Disse de forma autômata: “um é regra
Dois é ditado de palito apressado
E três é excesso de uns”
Adotou um gato e deu-lhe o nome de Felindo
Nunca foi vista com qualquer outro
À noite davam conta sempre rindo
De uma garrafa de vodca com leite de coco
Desde menina
Fumou de modo inveterado
Pelos vizinhos era percebida
Apenas por sua tosse e pigarro
Tentou fazer um diário
Onde muito pouco anotou
Não havia novidades no seu itinerário
Em uma página resumiu tudo que se passou
Cama de solteiro
Antes da meia-noite estava sempre deitada
Acordava uma vez para ir ao banheiro
E com o sol nascendo saia para uma caminhada
Pela manhã
Café puro nunca adoçado
E pão na chapa
De um só lado tostado
Apenas uma refeição por dia
Almoçava ou jantava
Na hora é que escolhia
Quase sempre alternava
Na televisão
Por programas religiosos e jornalismo tragédia
Tinha especial predileção
Não dispensava também uma boa novela
Gostava dos filmes de antigamente
Fred Astaire sua paixão
Na padaria pedia sempre
Queijo Minas no pão de forma e suco de limão
Leitora de livros de auto-ajuda e revistas de futilidades
Colecionava as páginas de gastronomia
Sabia dos famosos as intimidades
E não tinha para com as panelas qualquer simpatia
Um dia acordou decidida a mudar
Começaria pintando as paredes
E sua relação com a vida iria transformar
Mais cores no ambiente novos ornamentos e tapetes
Comprou materiais e tintas
E pôs-se a tudo modificar
Empolgada com a iniciativa
Sentiu até seu humor melhorar
Notou que sua única janela há anos esquecida
Estava com cremalheira e dobradiças engripadas
Vencida a dificuldade em abri-la
Surgiu-lhe como recompensa uma pequena sacada
Tamanha luz e barulho no apartamento
Chamaram do gato a atenção
E do acontecido nada entendendo
Projetou-se cegamente em direção ao clarão
A grade de ferro com ornamentos vazados
Não segurou a frágil criatura
E antes que pudesse recuar os passos
Mergulhou em queda livre em direção à rua
Ao presenciar a tragédia iminente
E sem controlar o instinto
Tentou alcançá-lo desesperadamente
Mas apenas pode observar seu amigo caindo
O peso da moça
O parapeito não conseguiu conter
E sobre o corpinho estraçalhado do bichano caiu sua dona
Que ainda o sol se apagando teve tempo de ver
Pelo serviço funerário recolhida
Sem nenhum agregado ou parente
Com o corpo desfigurado e a Felindo pela carne unida
Foi enterrada como indigente
Hoje identificando a sepultura há apenas um pedaço frio de ferro fincado
Com os números da pagina e respectiva linha a ser consultada
Do livro de registro dos ali enterrados
Onde podem ser lidos seu nome e data de chegada
De mãe solteira (já falecida)
Criada por uma tia
Que (dizem) hoje mora na Argentina
Deixou as fraldas antes mesmo de andar
Aos onze comungou
E na faculdade nem um semestre chegou a completar
Nunca mais estudou
Perdeu a virgindade logo com o primeiro namorado
Depois de um aborto não quis mais estabelecer laços
Sonhava engravidar quando fosse o momento
Mesmo sem útero e com um só ovário
Representante comercial autônoma
Trabalhava em casa e por telefone
Uma kitchenette alugada na Maria Antônia
Apartamento 111
Das poucas vezes que a ouviram falar
Disse de forma autômata: “um é regra
Dois é ditado de palito apressado
E três é excesso de uns”
Adotou um gato e deu-lhe o nome de Felindo
Nunca foi vista com qualquer outro
À noite davam conta sempre rindo
De uma garrafa de vodca com leite de coco
Desde menina
Fumou de modo inveterado
Pelos vizinhos era percebida
Apenas por sua tosse e pigarro
Tentou fazer um diário
Onde muito pouco anotou
Não havia novidades no seu itinerário
Em uma página resumiu tudo que se passou
Cama de solteiro
Antes da meia-noite estava sempre deitada
Acordava uma vez para ir ao banheiro
E com o sol nascendo saia para uma caminhada
Pela manhã
Café puro nunca adoçado
E pão na chapa
De um só lado tostado
Apenas uma refeição por dia
Almoçava ou jantava
Na hora é que escolhia
Quase sempre alternava
Na televisão
Por programas religiosos e jornalismo tragédia
Tinha especial predileção
Não dispensava também uma boa novela
Gostava dos filmes de antigamente
Fred Astaire sua paixão
Na padaria pedia sempre
Queijo Minas no pão de forma e suco de limão
Leitora de livros de auto-ajuda e revistas de futilidades
Colecionava as páginas de gastronomia
Sabia dos famosos as intimidades
E não tinha para com as panelas qualquer simpatia
Um dia acordou decidida a mudar
Começaria pintando as paredes
E sua relação com a vida iria transformar
Mais cores no ambiente novos ornamentos e tapetes
Comprou materiais e tintas
E pôs-se a tudo modificar
Empolgada com a iniciativa
Sentiu até seu humor melhorar
Notou que sua única janela há anos esquecida
Estava com cremalheira e dobradiças engripadas
Vencida a dificuldade em abri-la
Surgiu-lhe como recompensa uma pequena sacada
Tamanha luz e barulho no apartamento
Chamaram do gato a atenção
E do acontecido nada entendendo
Projetou-se cegamente em direção ao clarão
A grade de ferro com ornamentos vazados
Não segurou a frágil criatura
E antes que pudesse recuar os passos
Mergulhou em queda livre em direção à rua
Ao presenciar a tragédia iminente
E sem controlar o instinto
Tentou alcançá-lo desesperadamente
Mas apenas pode observar seu amigo caindo
O peso da moça
O parapeito não conseguiu conter
E sobre o corpinho estraçalhado do bichano caiu sua dona
Que ainda o sol se apagando teve tempo de ver
Pelo serviço funerário recolhida
Sem nenhum agregado ou parente
Com o corpo desfigurado e a Felindo pela carne unida
Foi enterrada como indigente
Hoje identificando a sepultura há apenas um pedaço frio de ferro fincado
Com os números da pagina e respectiva linha a ser consultada
Do livro de registro dos ali enterrados
Onde podem ser lidos seu nome e data de chegada
20.8.10
Hoje sonhei
Que sentia um imenso cansaço
A boca seca
E um gosto metálico na garganta
Todo o corpo me doía
Não tinha mais a lembrança
Do mel da tua saliva
As polpas dos meus dedos
Tinham sido todas arrancadas
Não sentia mais a maciez dos teus cabelos
Nem a umidade morna das tuas lágrimas
E com as pernas cortadas
Não tinha como acompanhar-te
Restando-me apenas ver-te sumindo na distância
Envolta numa névoa densa pegajosa e branca
A boca seca
E um gosto metálico na garganta
Todo o corpo me doía
Não tinha mais a lembrança
Do mel da tua saliva
As polpas dos meus dedos
Tinham sido todas arrancadas
Não sentia mais a maciez dos teus cabelos
Nem a umidade morna das tuas lágrimas
E com as pernas cortadas
Não tinha como acompanhar-te
Restando-me apenas ver-te sumindo na distância
Envolta numa névoa densa pegajosa e branca
A boca tudo comeu
A cabeça inchou
O sentimento explodiu
O coração espremeu
A fonte secou
O veleiro partiu
A ferida encolheu
O tempo passou
Só você não viu
O sentimento explodiu
O coração espremeu
A fonte secou
O veleiro partiu
A ferida encolheu
O tempo passou
Só você não viu
13.8.10
Há tempos que não penso mais em:
Mudar de trabalho
Ficar milionário
Ser um iluminado
Viajar para o espaço
Estar acordado quando o dia clarear
Morar fora
Parar de reclamar
Pular da ponte
Dar três sem tirar
Voar de asa delta
Aprender a dançar
Renovar as amizades
Andar à beira-mar
Dar a volta ao mundo
Me auto-mutilar
Não anular o meu voto
Dormir até o sono acabar
Pintar a casa
Levantar a tampa para urinar
Usar bicicleta
Dar descarga e a tampa baixar
Abandonar a música sacra
Nos legionários me alistar
Ter que ler todos os clássicos
No Himalaia escalar
Mudar de nome
De meu canteiro de rosas cuidar
Comer menos
A grama aparar
Chorar mais
Antes de dormir o rádio desligar
Ter um cão
De tudo cansado me declarar
Ter também um gato
Fazer análise
Cortar o cabelo
Fazer a barba
Tomar um banho
Trocar de roupa
Dizer não
Descruzar as mãos
Esmurrar a tampa
Sair deste caixão
Ficar milionário
Ser um iluminado
Viajar para o espaço
Estar acordado quando o dia clarear
Morar fora
Parar de reclamar
Pular da ponte
Dar três sem tirar
Voar de asa delta
Aprender a dançar
Renovar as amizades
Andar à beira-mar
Dar a volta ao mundo
Me auto-mutilar
Não anular o meu voto
Dormir até o sono acabar
Pintar a casa
Levantar a tampa para urinar
Usar bicicleta
Dar descarga e a tampa baixar
Abandonar a música sacra
Nos legionários me alistar
Ter que ler todos os clássicos
No Himalaia escalar
Mudar de nome
De meu canteiro de rosas cuidar
Comer menos
A grama aparar
Chorar mais
Antes de dormir o rádio desligar
Ter um cão
De tudo cansado me declarar
Ter também um gato
Fazer análise
Cortar o cabelo
Fazer a barba
Tomar um banho
Trocar de roupa
Dizer não
Descruzar as mãos
Esmurrar a tampa
Sair deste caixão
8.8.10
Lá no infinito
Tudo é negro
E desconhecido
O azul (que neste momento)
Me veste os olhos
Põe sobre a minha cabeça um teto
E me acalma os sentidos
E desconhecido
O azul (que neste momento)
Me veste os olhos
Põe sobre a minha cabeça um teto
E me acalma os sentidos
As meninas dos teus olhos
Devem ser
Anfíbio aparentadas
Seguem fixamente
Os meus passos
Mesmo que quase sempre submersas
Num mar de lágrimas
A maioria (de certo)
Por mim causadas
Anfíbio aparentadas
Seguem fixamente
Os meus passos
Mesmo que quase sempre submersas
Num mar de lágrimas
A maioria (de certo)
Por mim causadas
O quarto
Não se adaptou ao tamanho do tempo
Meus músculos
Não alcançam mais as paredes
No gélido espaço
Hoje tão amplo e vazio
E eu tão pequeno
Aquecem-nos o pensamento
A morte ronda a minha cama
Quer dividir cobertor e travesseiro
Penetrar em meus sonhos
E desligar o último botão
O de dentro
Meus músculos
Não alcançam mais as paredes
No gélido espaço
Hoje tão amplo e vazio
E eu tão pequeno
Aquecem-nos o pensamento
A morte ronda a minha cama
Quer dividir cobertor e travesseiro
Penetrar em meus sonhos
E desligar o último botão
O de dentro
6.8.10
Cosmonauta
Tua pele
Meu céu de viagens
Tuas sardas
Minhas incontáveis constelações
Mapa em que sigo
Os caminhos que aos poucos desvendo
Meus telescópicos olhos
Eu astrônomo amador
Meu céu de viagens
Tuas sardas
Minhas incontáveis constelações
Mapa em que sigo
Os caminhos que aos poucos desvendo
Meus telescópicos olhos
Eu astrônomo amador
5.8.10
Nuvens brancas
A tudo empalidecem
Recobrem todo o azul
Meu teto celeste
Seguram o pensamento
Para que não se perca de vez
No infinito firmamento
Recobrem todo o azul
Meu teto celeste
Seguram o pensamento
Para que não se perca de vez
No infinito firmamento
Os erros
Ordinariamente
Não mais são punidos
Com fogo e água
Hoje
Nos valemos de métodos mais eficazes
E politicamente corretos
A tudo fazemos afundar
Em nossas próprias imundícies
E sortilégios
Não mais são punidos
Com fogo e água
Hoje
Nos valemos de métodos mais eficazes
E politicamente corretos
A tudo fazemos afundar
Em nossas próprias imundícies
E sortilégios
3.8.10
Risco a água com a navalha
Na superfície da pia
Sangue não brota
O risco se desfaz
Em ondas se transforma
Risco a minha pele com a navalha
Sangue não brota
Outra cicatriz na face se instala
Sorriso hipócrita
Sangue não brota
O risco se desfaz
Em ondas se transforma
Risco a minha pele com a navalha
Sangue não brota
Outra cicatriz na face se instala
Sorriso hipócrita
No inverno
O dia
Se envergonha e encurta
A noite
Aproveita e se alonga
O contentamento magoa
O olho (facilmente) sua
A cama convida
A fome aumenta
A pele arrepia
O nariz espirra
E o mundo
Relembra naftalina
Se envergonha e encurta
A noite
Aproveita e se alonga
O contentamento magoa
O olho (facilmente) sua
A cama convida
A fome aumenta
A pele arrepia
O nariz espirra
E o mundo
Relembra naftalina
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