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Espelhos por toda parte
Quase meio século com os pés no chão
A cada dia um novo sulco escavado no rosto
Mais e mais tristonho e escorrido
Sobre minha teimosa arquitetura
Happy new year!
Johann Sebastian Bach era maneta. Faltava-lhe a mão esquerda.
A descoberta foi feita por acaso, numa nota de rodapé, durante o processo de restauração de uma de suas últimas partituras conhecidas.
Manifestou também o desejo de não ir para a sepultura como o único detentor deste segredo.
Perdeu a mão, em seus dias de juventude, ao experimentar, de forma inconseqüente, o protótipo de uma das muitas máquinas de guerra projetadas pelo gênio renascentista Leonardo Da Vinci.
Como tentativa de reparação, diante da dimensão do ocorrido, um dos bisnetos do mestre fiorentino prontamente resgatou de seus arquivos um projeto de prótese mecânica manual desenvolvido pelo ancestral e jamais executado. Complexíssimo, diga-se de passagem, cheio de algorítimos estranhos e orientações codificadas.
Aventurou-se na construção, com urgência e pertinácia, desvendou a duras penas as inúmeras amarrações impostas que, ao que tudo indicava, só mesmo a ele se renderiam.
O resultado foi magnífico. Funcionou com tamanha perfeição que, até o fim da vida, o maior dos expoentes do barroco, usou-a sem que nunca pudesse ser notada por qualquer outro vivente.
A notícia que se tem, é que hoje em dia, a engenhoca se encontra guardada a sete chaves no cofre de um banco em Tóquio. E quanto ao projeto, nunca mais foi visto.
Quarta-feira de cinzas
A face pálida insiste em aparecer sob a maquiagem borrada
Passado o cortejo festivo e recuperados da ressaca
Convém voltar ao mundo
Uma fábula já conhecida
Que como na infância fica sujeita a ser repetida
Um cem número de vezes
Desconfie de quem
Tenha lido Nietzsche
E ainda afirme acreditar na existência de deus
Distorce conteúdos
Apoia-se em falsas premissas
E opta por agradar para vestir poder
Lágrima fácil derramada no discurso
Oratória perfeita e currículo impoluto
Parece realmente acreditar no que diz
E é possível que acredite mesmo
Alimentou-se da fantasia e fez-se messias
De novo
Esperança
E nós podemos
Soa como cantilena
Que no passado tocou no rádio
E de alguma forma persistente no ar
Sem que ninguém mais lhe dê atenção
É música para ouvir música
Arrisca-se a pisar no sangue derramado
Daqueles que antes dele deram seu pescoço ao carrasco
Neste caso
O politicamente correto
Me remete a frases já mais do que batidas
Dar os anéis para manterem-se os dedos
Por vezes mudar para que nada mude
E a história
Sempre se repetindo