27.7.15

Madrugada fria



Céu limpo de um azul profundo
E ainda escuro
O amanhecer chega devagar
Cheio de nuances

Cores divergentes e encantamentos
Para onde quer que o olhar se lance

Pintura executada por alguém
Que na certa entende bem daquilo que faz
E o faz direito

Paro num semáforo
E uma mancha escura se aproxima

Uma figura humana
Muito suja e maltrapilha
Cabelos espetados
Rosto transfigurado
Um paninho puído amarrado no punho

É o craqueiro daquela esquina
Lembrei já tê-lo visto outras vezes
Sem repará-lo direito
Nesta mesma avenida

Chega junto ao carro
Pegunta se pode limpar os vidros
Fala de forma truncada
E pede uns trocados

Vão ficar ainda mais sujos
Pensei
Pegou-me desprevenido
Concordei

Faz tudo muito rápido
Tem o tempo como adversário
Está em nítida abstinência
Está desesperado

Completa o serviço
Separo algumas moedas
Dou a entender que já é suficiente
E de dentro sinalizo para que receba

Apanha o bônus com um sorriso tenso
Mas surpreendentemente largo
E me estende aquela sua mão imunda
Que inexorável
Através janela me invadia

Deixou-me sem jeito
E sem pensar aceitei o cumprimento

Senti força
Sinceridade e agradecimento
Naquele gesto ordinário
Naquela simples formalidade

O farol se abre
Sigo em frente de volta ao roteiro

Com a brisa fria no rosto
O azul agora muito claro
E um sol gigantesco
Já redontamente ocupando o retrovisor direito

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