31.3.15

Nesta ciranda



Por mais que te consideres vítima
Tuas dores de amor
Não podem ser maiores que as minhas

Se era teu o amor que em mim vivia
Era nosso o amor que se perdeu
Era meu “o amor que tu me tinhas”

Fomos varridos pela mesma ventania
Agora um tanto esvaziados por dentro
Nossos idênticos lamentos, ladainhas

Ecoarão indefinidamente pelas cercanias
Até se fantasiarem e se transformarem
Em meras histórias da carochinha

30.3.15

Na madrugada


Deixo a cama
Silenciosamente
E saio em disparada
Sem te acordar

Não quero que percebas
Antes do tempo
Que chegará o dia
E aqui não vais me encontrar

Dorme meu amor
Dorme
Descansa os teus olhos
É preciso sonhar

Recupera a tua calma
Guarda algumas lágrimas
Pra mais tarde
Ainda teremos muito que chorar

27.3.15

Vênus dos olhos claros



Profana bebida
Não tens culpa
Por serem tão poucos
Os teus amantes

Divina criatura
Tua pele branca e pura
Quase sempre preterida
É injustiçada
Não há dúvida

Fermentados de tua cor
São delicados
Discretos
Quase sempre desconhecidos

Os tintos são mais lembrados
Mesmo os medíocres
Com menos mistérios
E encantos reservados
Acabam mais celebrados

A maioria dos apreciadores
Nem desconfia
Da riqueza de teus aromas
De teus bucólicos sabores

Teus frescores
Da tua deliciosa malícia
Da paixão com que te doas
Da harmonia
Da tua alegria

Por isso, quando me perguntam
Que vinho prefiro
Em tom resoluto
Sempre repito:

Sendo bom não me importa a uva
Gosto de vinho
Maior é a celebração
O momento idílico
A dionisíaca partilha

26.3.15

Só os idiotas não se arrependem



Julgam representar a perfeição
Acham-se incapazes de errar

Sei bem dos meus defeitos
E como idiota não posso me enxergar

Não é raro que me apontem
Aonde estão meus erros

E deles me arrependo
Tentando não mais pecar

Mas no máximo os reconheço
Se entender que errei só por ousar

E me corrijo
Para novamente tentar

Os covardes sabem
Que há riscos em se atuar

E antes de fazê-lo se asseguram
Deixando que outros se arrisquem em seu lugar

25.3.15

O melhor caminho para mim



É aquele que desenhei
Construí
E trilhei
Mesmo que depois
Reconheça
Que em alguns pontos
Me desviei
Foi com próprios meios
Que meus erros corrigi
Aprendi
E aprenderei

24.3.15

Pra você



O preço é outro
Cobro mais caro

23.3.15

Sou um sujeito magro



Mas pode acreditar
Já fiquei esquálido
Cinco quilos abaixo do razoável
E não consigo entender
De onde este peso pode ser tirado

Destes já recuperei dois
E para isso bastou
Que voltássemos a caminhar juntos
De braços dados

Os três que ainda me faltam
Virão aos poucos
Com os fantasmas todos afugentados
E os sangramentos
Um por um estancados

20.3.15

Perdoe amor



Mas vou me retirar
O pouco tempo que restou
Usarei para realizar
Os sonhos
Que o vento carregou
E pensei não mais alcançar

19.3.15

Amor



Se hoje aqui cheguei
É porque de algum lugar parti
Se agora estou contigo
É porque alguém algum dia deixei

E se num outro momento eu desaparecer
Pode estar certa de que morri
Pois com ninguém mais quero estar
Sob nenhum outro teto viverei

18.3.15

Nos últimos tempos



Frente à vida
Tua voz tem estado
Meio tom abaixo do necessário
Mas em relação a nós
Meio tom acima do aceitável

17.3.15

A tua cabeça confusa



Congelada pela dúvida
Estava cega
Não conseguiu entender
Abrir a porta e deixar entrar
O amor que me dispus a te oferecer

Barrado na tua fria blindagem
Gastei toda a minha energia
Ao tentar sensibilizar-te

Mas teu medo prevaleceu
Inexpugnável
E ofegante me afastei derrotado
Arrastando os pés
Feito um cão enxotado

16.3.15

Meus lábios secos



Ociosos
Sedentos

Solidários
Aos olhos

Injetados
Ainda inconformados

Desamparados
Perdidos

Acompanharam tua imagem
Ao longe sumindo

Nem mais o grito
Agora alcança

Desgarraste
De meus braços

Antes elásticos
Extensos

Hoje flácidos
Esgotados

Incapazes de tocar-te
Ponto baço na distância

Te tornaste
Mosquinha inquieta

Em noite estabelecida
Ao horizonte não te alinhas

Ascendes
Te iluminas

Viras vaga-lume
Astro permanente

No céu
De vez te firmas

Nunca cadente
Te batizo: Estrela Linda

Para que sempre
Ao olhar em seguida ao poente

Me invadam lembranças
De vivências merecidas

Agora já difusas
Confundidas com fantasias

13.3.15

Não imagina o tamanho da minha dor



Quando confessou
Que o nosso amor
Foi o mais pequeno
Que já tinha experimentado

Isso explica a facilidade
Com que na praia foi esquecido
Pelo mar carregado
E para sempre perdido

12.3.15

Para que caminhos



Estradas
Pontes
Trilhos
Se por aqui não passa ninguém?

Se o mato cresce vitorioso
A tudo engole
E trata qualquer esforço
Com implacável desdém?

11.3.15

Um amor sincero



Não pode ser
Sumariamente recusado
Não se encontra em qualquer esquina
É artigo raro

Não pode ser
Simplesmente descartado
É flor
Não frutifica fora do galho

Não pode ser
Ingenuamente ignorado
Sofrerá sem entender
Secará magoado

Precisa ser
Honestamente esclarecido
De que é impossível
Neste caso

Precisa ser
Calmamente orientado
De que a dor (agora infinita)
Já nasce com seus dias contados

Precisa ser
Sinceramente estimulado
A não desistir da busca
E não deixar de olhar para o que está ao lado  

10.3.15

Tens passado tempo demais sozinha



Tentando resolver tudo o que sentes
Usando apenas
Os olhos de dentro

O que não percebes é que assim
Nada consegues entender direito
E tão pouco obter
Soluções a contento

Não permites que te olhem de fora
Ou de ti mesma
Consiga um certo distanciamento

Pois temes ter que mudar
Mobilizar forças e precisar agir
Sofrer mais do que possas suportar
E isto te causa medo

9.3.15

Tinham um ao outro



Como a uma joia rara
Forjada menos no ouro
E mais em sentimento

Adorno que não usavam o tempo todo
Mas o simples fato de se saberem
Já fazia diminuir qualquer sofrimento

Guardavam-se para ocasiões especiais
Entravam em cena
Apenas nos melhores momentos

6.3.15

Ao te procurar



Me surpreendi
Me espantei

Pois em minhas lembranças
Não mais te encontrei

Será o peso da idade?
Ou será que me curei?

5.3.15

Não percebes



Mas descarregas teus traumas
Teus medos todos
De uma só vez
Sobre minhas costas

E nem mesmo te tocas
De que sou só
Humano e que também os tenho
Por trás de minhas portas

Entendo que és frágil
Que caminhas em terreno instável
E que para ti é muito
O pouco que suportas

E por não saber fazer o mesmo
Me despejar em ombro alheio
Calo e aceito
Não dou respostas

4.3.15

Quando o horizonte chegou sem avisar



Aproximou-se sorrateiro sem se fazer notar
E não houve quem pudesse fazê-lo parar
Agiu de forma tão rápida e contumaz
Que o impediu de reagir e pensar

Ele vivia distraído e sem medo
Andando sobre o muro de seu mundo
Como quem controla todo o terreno
Não teve como fugir ou gritar

Acertou-o em cheio
O fez despencar num abismo sem fundo
E apesar do tempo ainda não parou de cair
Difícil de entender impossível aceitar

3.3.15

Peço desculpas



Pelo pequeno incidente
Com o ponteiro do relógio
Que rebelde e enebriado
De seu trajeto esperado
Em sentido anti-horário
Escapa de repente
Avança incontinenti
Mas é barrado
Tem o acesso negado
A um território
De sensibilidade tão diferente
E segredos ainda mal estudados

2.3.15

Não toco violão



Ou qualquer outro instrumento
Meus cabelos estão curtos e raros
O colorido deu lugar ao prateado
E não balançam mais ao vento

O furo de minha orelha esquerda
Por falta de uso
Quando se fechou?
Já nem me lembro

A visão ofuscada e embaçada
Exige uma acomodação forçada
E o braço já curto para me clarear um texto
Precisa de um sem número de lentes como complemento

Mas não é assim que me vejo
Me sinto ainda um garoto por dentro
Capaz de ganhar o mundo voando sem asas
Apenas com a força do pensamento

Só acredito nos efeitos do tempo
Ao sentir as dores que pela manhã
Na cama me invadem o corpo inteiro
E logo em seguida ao encarar a realidade do espelho

Mas quem mais sofre é o discernimento
Em saber que a vida transcorre
E inexorável não dará meia volta
Para refazer o que ficou mal feito

Que não terá outra chance
De ler tudo o que guardou na estante
Esperando por décadas
Para atacar o livro certo no melhor momento

E ao abrir a gaveta
Ser invadido por uma infinita tristeza
Por não mais reconhecer o que julgava intacto
Fotos comidas por traças e em franco amarelecimento