Contou-me um estranho
beduíno
De olhos azuis e pele
muito clara
Respeitado por aqueles
que o seguiam
Que atendia pelo nome
de Lawrence
Nos confins da
desértica Arábia
Sentamo-nos em volta de
uma fogueira
Sob uma tamareira com
frutos carregada
Num oásis paradisíaco
E um horizonte com
nitidez contornado
Na claridade de uma
noite enluarada
Dizia-se que a
Magnânima
Ao saber que teve o
nome
Pelos quatro
continentes espalhado
E que em muitas cortes
Em piada tendo se
tornado
Sentindo-se com a honra
maculada
Manda chamar seus
melhores escudeiros
E determina que se
espalhem por todos os reinos
Em busca do leviano
milongueiro
Ordena que o tragam com
vida e inteiro
Para que pague com o
merecido sofrimento
Por todo o mal que
causou
A quem o tratou com
tanto apreço
Que por onde passassem
oferecessem a qualquer cidadão
Uma boa quantia pela
informação de seu paradeiro
E para quem o trouxesse
preso
O mesmo peso do ingrato
em joias do reinado
Além de terras e um
título de nobreza à altura do realizado
Não demorou muito
Até que foi encontrado
No meio de uma festa
rural
Nos rincões da
Virgínia
Tocando banjo
Por uns poucos centavos
e bebida
Foi amarrado e
amordaçado
No porão de um navio
confinado
E cruzando o oceano
Iniciou o retorno ao
lugar
Onde seria com justiça
julgado
Mas ao passar pelas
Bermudas
Foram surpreendidos por
uma tormenta absurda
Que engoliu a
embarcação
Levando consigo toda a
tripulação
Na confusão naufrágio
Conseguiu se
desvencilhar das amarras
Utilizando-se de
técnicas de ilusionismo
Oportunamente por um
cigano ensinadas
Escapou por uma
escotilha
E laçou com as cordas
que ainda tinha
O corpo de um golfinho
que por ali vivia
Até uma baia distante
foi rebocado
E muito ferido
Alcança a praia a nado
Quase inconsciente e
exausto
Desaba num sono
profundo
Sono dos que sobrevivem
a tudo
Amanhece o dia
Ainda confuso e sem
nada entender
Abre os olhos e é
ofuscado pela luz de um jovem rosto de índia
Que lhe dirige um
sorriso largo
E palavras doces
impossíveis de serem compreendidas
Mesmo sem saber se era
sonho ou realidade
A visão de tão
formosa rapariga
Foi trazendo calma ao
viajante
Que chegou a se
questionar se já não estaria num plano distante
A moça tinha olhos
amendoados e escuros
Um olhar profundo
e gentil
Pele jambo e macia
Pescoço altivo e esguio
Cabelos muito
pretos lisos sobre o colo caídos
Peitos desnudos fartos
apontando para o infinito
Quadril e coxas
perfeitos em nobre cedro esculpidos
A mais linda visão que
que alguém poderia ter em vida
Era habitante de uma
aldeia naquela ilha perdida
Que compadecida com a
situação
E encantada com beleza
excêntrica do alvo rapagão
Ajuda-o a alcançar a
sua cabana
E coloca-o para
descansar em uma esteira de cana
Cuida com milenar sabedoria de suas feridas e esgotamento
Utiliza-se de chás
caldos purgativos vomitórios e unguentos
E o faz sem interrupção
Até o franco
restabelecimento do varão
Semanas se passaram
Até que fortalecido e
consciente
Passou a circular pela
aldeia
Para entender língua
costumes
E conhecer toda a gente
Com tudo se encantou
Todos se encantaram com
o estrangeiro
E mais do que todos
Aquela que da praia de
uma tragédia o resgatou inteiro
Identificou que também havia em sua
virilha
Uma marca com a exata
forma da ilha
Idêntica àquela que trazia
desde nascida
Na mesma topografia
A maviosa criatura
Filha do chefe aldeão
Entendeu que era aquele
o amado a ela prometido
Há tantos anos
esperado
Com vinda prevista em
profecia
Um enredo há séculos
em versos cantado
Agora que o oceano o
tinha trazido
E confirmado pelo
conselho de sábios
Fechava-se o ciclo
Estava selado o seu
destino
Casariam-se de imediato
Realizou-se a cerimonia
Com toda a pompa que a
ocasião exigia
E por sete dias e sete
noites
Comemoraram-se as bodas
com extrema alegria
Grande foi o orgulho da
família
E não demorou até que
este feliz matrimônio
Fosse presenteado com a
geração de um pimpolho
Menino predestinado
Que deste pequeno seria
educado como futuro líder de seu povo
Até que num belo dia
Após seis anos de
aparente calmaria
Pescando junto a um
rochedo
Pai e filho são
surpreendidos por um imenso cetáceo
Que emerge em sua
frente e o engole rapidamente
Consegue ainda ordenar
ao garoto que se proteja e retorne à aldeia
O gigantesco animal era
na verdade um submarino disfarçado
E apesar de debater-se
ferozmente
Acabou em definitivo
Sendo contido e sedado
Desperta confuso e
assustado
Sem saber por quanto
tempo ficou desacordado
Está no centro de um
grande anfiteatro
Com gente para todo o
lado
A Soberana num trono à
direita
Juízes ao centro
perfilados
E à esquerda uma
vintena de caras amarradas
Aparentemente jurados
O ritual transcorreu
rápido e sem embaraços
É condenado à morte por decaptação
Pelas acusações de
calúnia e difamação
Mas segundo as normas
daquela casa
Todo aquele que será
executado
Tem o direito a um
último desejo realizado
Pede então que lhe
tragam um instrumento
Para que sua última
canção a todos pudesse dar conhecimento
Um alaúde foi
providenciado
E pouco antes de
iniciar a audição
Lembrou-se sua
Majestade de como fraquejou
No exato momento em que
se iniciou a anterior execução
Mas antes que pudesse
evitar que o tocasse
Arpejos já flutuavam
no ar
E novamente enfeitiçada
rendeu-se à situação
Fora de sua habitual
seriedade
Manda que se retirem
todos do tribunal
E ordena que acompanhem
o forasteiro
Até a ala do palácio
Onde são acomodados os
chefes de estado
Que o tratem com honras
de cavalheiro
E o conduzam com digna
aparência
Até os reais aposentos
O receoso andarilho
À principio
recusou-se a entrar na majestosa câmara
Mas avaliando os riscos
que corria
E não conseguindo mais
tirar os olhos de tão maravilhosa Dama
Pois a Rainha apesar do
tempo
Conservava intacta sua
descomunal beleza
Resolve entregar-se
inteiro aos desejos
Que no passado tantos
prazeres lhe renderam
E mais uma vez
carregou-a nos braços e pousou-a suavemente no leito
E assim ficaram por um
longo tempo trancados
Até que saciada e com
o feitiço já amainado
Atende aos anseios de
seu coração
E pede humildemente ao
forasteiro que fique de vez
Que aceite aquela condição
Dando-lhe o direito de
ter tudo o que deseje
Adianta-se
oferecendo-lhe um ducado
Terras a perder de
vista
Mil vassalos
E canastras com ouro
preenchidas
Mas o moço
Lembrando-se de seus
amores de antes
Recusa a honraria
Conta-lhe sua história
Agora parecendo tão
distante
E pede que seja mais
uma vez libertado
Clamando à Anfitriã
grandeza e misericórdia
A nobre Senhora
compadecendo-se deste amor tão verdadeiro
E não querendo quebrar
sua real palavra
Manda que lhe tragam
montaria
Boa cela arreios
Provisões para a longa
jornada
E uma escolta armada
que lhe garantisse segurança
Até os limites do
reino
Sai do castelo com o
peito aliviado
Sentindo-se agora livre
como um escravo alforriado
Deixa aquelas terras
disposto a reencontrar seus amores
E retomar sua vida
Como a tinha deixado
antes do desterro forçado
Muitos percalços e
dificuldades retardaram sua volta
Mas quando finalmente
pensou ter chegado
Mesmo devidamente
orientado
Não acha nem um grão
de areia no ponto onde seu coração tinha deixado
Nada via que lembrasse
a ilha que lhe foi tão cara um dia
Descobre ao abordar um
barco pesqueiro que ali passava
Que um terremoto varreu
do mapa toda a terra que outrora ali se encontrava
E que dos simpáticos
habitantes do lugar
Nunca mais se tinha
ouvido falar
Arrasado com o
acontecido
Perdido e sem lastro
Vê-se forçado a
retomar seu antigo destino
Voltando a errar pelo
mundo
Como um menestrel
Reles mendigo
E para jamais esquecer
sua dor
E manter vivos os
detalhes dos fatos
Compôs esta canção
Na
forma de um lamentoso fado