27.4.11

Tarde em São Paulo


A cortina cinza se desmancha em lágrimas
Sobre o rosário de carros
Que se estende à frente
Nestas ruas paradas

Incontáveis almas
Que como a minha
Jazem entorpecidas
Num claustro escuro e abafado

Contas vermelhas
Borradas
Quase arrastadas pela força da enxurrada
Roncos monótonos repetindo a mesma ladainha

Penitência fielmente cumprida
Até a redenção prometida
Nos braços de quem possui alguém que as espere
No final de mais um longo dia

26.4.11

Passaram-se os anos


E pelo meu lado direito
Ainda me alcança o teu cheiro
O lençol mantém nítida a impressão do teu corpo
E como resta calor neste teu travesseiro!

25.4.11

1976


Tomei um ônibus
E curioso
Fui sozinho conhecer o mar

Não coube em meus olhos

Uma abóbada imensa
Mais alta que o chão
Que não despencava sobre a minha cabeça

Caminhei descalço na areia a noite inteira

Voltei para casa encantado por de ter realizado a proeza
De descobrir o teor exato de sal
Da substância maior que forma o planeta

1975


Uma cortina cinza
E definitiva
Invade minhas retinas

Sem luz em excesso
Não precisei mais franzir os olhos
Para reconhecer conflitos

A serpente cinza
Me carrega para dentro
E me aceita em suas entranhas

Como um comensal peregrino
Passo a explorar o desconhecido
Com mais força e instrumentos

Memórias

Realidades vistas
(Através de)
Vidraças embaçadas
Facilmente contaminadas
Com as vontades

19.4.11

Escrevo


Para o tempo todo provar a mim mesmo
Que ainda existe vida aqui dentro

18.4.11

Laços de sangue


Corrente insana
Que alinhava almas tão diferentes
Da forma mais desumana

Alimenta-se da dor e conflitos nos sentimentos
E se apoia na impossibilidade da libertação
De um lapidar pertencimento

Bates à minha porta


Navegando maremotos

Despida de ornamentos
Orgulhos e resistências

Mas não me perguntaste
Se é assim mesmo que te quero

Inteira

Já passa da hora


O teatro está cheio
As cortinas ainda fechadas
O ator principal não veio
Que história será contada?

14.4.11

Até mesmo a ideia de um deus


Mesmo que ficcional

Com com seus imaculados atributos
Me desperta simpatia

Por certo com ele mais descomplicada seria minha vida

Porém o que mais da igreja me afasta
É a imposição prévia da culpa

O maldito pecado hereditário e congênito

Pois assumir endividamentos alheios
Definitivamente não me parece justo

E nem razoável que um ser supremo
Impeça seu querido filho de beber na fonte de todo o conhecimento

12.4.11

Teu olhar não pude prender


Seguiu com os ventos da noite
E perdeu-se numa busca
(Para mim)
Difícil de entender

Vaga em sentido único
E contínuo distanciamento
Mesmo que o tente atrair
Não mais se fixa

O oco que ficou (apesar de tudo)
Ainda tem conveniência e serventia
Atende sem reclamar
Às tarefas do dia a dia

Não consegue contar histórias sem as ter vivido


Sempre será protagonista de si mesmo

8.4.11

És fogo por fumaça encoberto


Um grão de arroz
Tirado de uma sacola de metáforas
E semeado em campo estéril

A falha rápida no freio do carro
Que quando parado
Sutilmente recua numa subida íngreme

A verdade da frase dita por acaso
Num baile de máscaras
Em que todos estão embriagados

6.4.11

É como te vejo


Te moves no universo
Como um satélite
Em monótona órbita terrestre

Vês apenas o que captam tuas lentes
Em nada tocas
De nada participas

Não que não o queiras
Mas não te sentes atingido
Temo que morras sem ter vivido

5.4.11

O menino veste sua roupa de herói


E segue a galope pelo corredor estreito
Canta a plenos pulmões
Versos e ecos lá dentro reverberam
Mergulha fundo neste universo paralelo

É o salvador de inocentes em perigo
Enfrenta um sem número de monstros e inimigos
Nada o detém em seu objetivo
Avança incontinente e destemido

Até que pelas costas é duramente atingido
Golpeiam-no palavras ferozes
Que sufocam os brados deste guerreiro ensandecido
E fazem ruir as paredes de seu túnel perfeito

É derrubado de seu cavalo
Não entende o acontecido
Fica prostrado e indefeso em pleno piso
Mas não demora a recobrar os sentidos

Levanta-se reafirmando dignidade
Embainha a espada
E se recolhe no quarto
Mergulhando nos livros

Tem sua honra empenhada
E como bom cavaleiro
Precisa continuar com sua missão sagrada
Salvar o mundo retomar o caminho

4.4.11

A faca


É meu pincel

A carne
Minha tela

O sangue
Minha tinta

Os registros que faço
Me confortam

Mostram que ainda não me abandonou
A vida

Fique tranquila


Não é preciso
Interpretar o poema

Ele já é uma interpretação
Da nossa existência

Depois de uma madrugada fria


A manhã
Com cantos de primavera principia

Um calor intenso
Se instala em seguida

À tarde
O outono alivia

Minha cidade
Tem todos os climas num só dia

Tempo


De vida ausente

Tempo
De superficialidade e aceite

Tempo
De mentiras

Tempo
Sem rugosidades

Tempo
Doente

1.4.11

A pedreira ainda está lá


Há décadas não a via
Reparei que ainda subsiste
De passagem pela autopista

Prédios e mais prédios
Olham para o lugar
Cercando-me as lembranças

Janelas atrevidas
A silenciar um antigo mundo
De histórias planos e esperanças