31.10.13

Te dou de presente



A única chave
Que de fato abre
Este peito carente
Para que através desta porta
Possas observar com clareza
O que já conheces
E mais uns poucos segredos
Se é que isso ainda interessa

Só assim poderás decidir
Com critério
E sem medo
Se vale a pena
Passares inteira
Para o lado de dentro
Apostando tuas últimas fichas
Neste relacionamento

Ou se será mais prudente
Recuares pelo menos
Um passo
Me trancares novamente
Atirares a chave
Para bem longe
E em definitivo
De mim te afastares

30.10.13

Eu e você



Curioso arranjo
Improvável sincronia

Mesma matéria
Indisfarsável dicotomia

Um de natureza pétrea
A do outro aérea e fugidia

29.10.13

É perfeito esse jogo



Que acontece nos momentos
Em que acalmas a minha euforia
Com tua mão contendo a ousadia da minha

E num instante seguinte
Já carregados por uma forte ventania
Me apresentas livres os caminhos

Para que o amor se alimente
Se fortaleça e se expresse
Em toda sua grandeza e soberania

28.10.13

É preciso estar atento



Para que o ontem
Seja hoje

E o hoje
Seja sempre

Ao soar da campainha
Abra a porta prontamente

Receba o viajante
Com um abraço

Dê-lhe um beijo
E traga-o para dentro

Ofereça-lhe um banho quente
Roupas limpas

Resgate os sentimentos
De um outro tempo

Identifique o que no outro
Possa estar diferente

Trabalhe com as afinidades
Atenda aos desejos

Surpreenda com elogios
Destile galanteios

Entregue-se ao amor
Por inteiro

Paute-se no que é importante
Para ambos

Não ceda
A injustificáveis medos

Eles nos tornam covardes
Imóveis

Eles nos deixam tristes
E feios
 

25.10.13

Meu corpo



É uma coisa
Eu sou outra

Não confunda
Estes dois elementos

Ele é o que me carrega
Não quem habita

É abrigo
Me protege dos perigos

Casa que me leva
Minha cela secreta

É ferramenta
Força e instrumento

Me põe em movimento
Atende aos meus chamamentos

Ponte de meus prazeres
E sofrimentos

Armadura delicada e rígida
Sujeita a avarias

Me cobra cuidados
Atenção e respeito

Exige manutenção
E solução rápida de defeitos

Nem todos de fabricação
Mas falhas de funcionamento

Quem me vê assim
Sofrendo os efeitos do tempo

Precisa de fato me encontrar
Mas é da janela para dentro

Minha expressão física
Falível e efêmera

E jamais saberei se sou algo além
Desta imaterial consciência

24.10.13

Que te sirva de lição



Para não brincares mais
Com o sentimento que é alheio

Por tomares como tuas
As lágrimas de um parceiro

Por trancares à chave
O coração de quem um dia

Com muita dor conseguiu expulsar
Um inquilino cruel e zombeteiro

23.10.13

Não cedas à ilusão



Não entregues o jogo
Assim deste jeito

Quem foi que te disse
Que é possível viver qualquer amor
Sem algum sofrimento?

22.10.13

Escrituras do amor



Produzidas
Com doçura e carinho
Sem dor

Pena que não freia
Que escreve
E mesmo sem querer
Anota na pele
Os rabiscos do prazer

Efêmeros presentes
Suave deleite
Visitas abusadas
Por vezes orientadas
Em áreas de acesso restrito

Prêmio aos que confiam
Privilégio dos que se entregam
Compartilhamento dos registros

21.10.13

Despejarei sobre ti



Elementos do meu amor
Fonte de cuidados
Sumarentas carícias
Cheias de sabor
E tamanho prazer
Que chegam quase a ser dor

18.10.13

Hoje




Só me vale a vida
Pelo que me sussurras no ouvido

Sons de chamamento
Êxtase e abrigo

Espasmos involuntários
Colar de cordão rompido

Tilitar de pérolas
Pelo chão do quarto espalhadas

Arfante poesia
Coroada de brilhos

Quicante caos dourado
Prazer em palavras transformado

17.10.13

Precisamos ser lembrados



Que só podemos nos cobrir
Com o véu do amor pleno e dedicado
Quando o trabalho pesado
Não machuca nossas mãos
E não nos impede de abrir o relicário

16.10.13

És linda



De uma beleza estonteante
Capaz de enfeitiçar a qualquer homem
Mesmo o mais hesitante

Mas se adentrares à jaula dos símios
Por teus encantos e caprichos
Não serás reconhecida

Assustarás os primitivos
Pois como a personificação do horror
Serás vista

15.10.13

Voos noturnos



Que deliciosamente se insinuam
Em flashs recheados de lembranças
Naqueles horários do dia
Mais inocentes e inoportunos
Em que a cabeça do sujeito
Deveria estar focada
Em qualquer assunto
Menos em astronomia

14.10.13

Não se pode dimensionar o poder que um beijo tem



Ainda que seja
O mais leve toque entre lábios
Numa despedida matutina
Um ato breve e sem pretensão

Estampa ou carimbo
Lembrança ou consagração de algo que é maior
Certeza de cumplicidade
Tranquila e sedimentada

Pode funcionar como papel de presente
Cartão de visitas
Amostra grátis daquele outro beijo
Apaixonado e carregado de desejo

Permissivamente invasivo
Suculenta e atrevida troca de fluidos
Enfrentamento e rebeldia entre línguas
Ora ousadas outras fugidias

Beijo encharcado que faz ferver
Faz desabarem muralhas
Linguagem sem palavras
Que libera estradas e acentua o querer

Beijo noturno e sem juízo
Sugar lambuzado de tudo
Que usa a boca como porta de entrada
Para um outro mundo

Beijo absoluto e insubstituível
Elo invisível
Ferramenta de desarme e entrega
Código instintivo que consagra o compromisso

11.10.13

Amor verdadeiro é mais que sentimento



Não amansarei o meu amor num divã
Não esvaziarei seu furor buscando melhores termos
Não cairei numa rotina vã

Meu amor não sucumbirá mesmo que açoitado por seus defeitos
Não caducará
Não se curvará com a ação do tempo

10.10.13

Esperarei por ti



Em qualquer lugar
Pelo tempo que for preciso
Faço questão de falar

Ficarei na janela
Olhando pra fora
Mantendo na memória vivências de outras eras

Debruçado na finestra
Buscando-te entre os edifícios
Examinando cada fresta

Sentado junto à fenêtre
Ouvindo nossas canções de amor preferidas
Torcendo para que logo regresses

Manterei aberta a ventana
Mesmo que se agitem as cortinas
Deixando que folhas desenhem teu corpo em nossa cama

9.10.13

Vidas sobrepostas



Que se tornaram ocas
Não somam entendimento
Rejeitam propostas

São moucas
Não buscam mais crescimento
Desconhecem respostas

Vozes elevadas com calculado paralelismo
Cada qual numa margem do abismo
E caminhando de costas

8.10.13

O afastamento involuntário



Faz do reencontro
Uma esperança de vida

A voz soluçante e úmida que me suga
Expressa a pressa
E a incerteza de ser real o momento

Tua permanência
Infinita curta e fugidia
Premia mais um dia

E é o que se tem
Toda uma existência
Entre quatro paredes resumida

7.10.13

Quero que decidas



Não chegarás a lugar nenhum
Parada à frente de minha porta

Sei que o mundo te convida
Com uma estrada livre e infinita

Mas um vento frio começa a soprar
Neste final de dia

As nuvens estão densas
E já sinto o cheiro da terra molhada

Não há mais tempo
Preciso confinar os bichos

Vedar as frestas
E cerrar os trincos

Aqui dentro o fogo está aceso
A sopa quente

E há uma cama limpa e vazia
Sugiro que entres

4.10.13

A noite brilha



E o vermelho da tua boca
Desfaz o desenho da minha

Sedenta cavidade que só se revela
Quando se abre à tua espera

Chave e fechadura
Ciclones loucos que giram sem controle

Explorando misteriosos relevos
Deliciosas revelações a cada novo terreno

3.10.13

Se um dia



Essa nossa história terminar
Terá que ser para sempre
E de uma vez
Exatamente como aconteceu
Quando parei de fumar

Não poderei nunca mais
Ouvir Marisa Monte
Pois voltaria a lembrar (e sofrer)
E tão certo como a vida
Em algum momento há de acabar
Colocaria tudo a perder