29.6.11

Morro quando me deito



E pela manhã renasço
Sou outro
Me movo no cadáver de mim mesmo
Aquele que habitava até ontem
Nada de novo

22.6.11

Confias por demais na memória


Apoiando-te em pensamentos sem lastro
Não há como contar uma mesma mentira duas vezes
Sem que algo seja inevitavelmente alterado

17.6.11

É preciso preencher o oco


Do seu choro sem sentido
Com cantos de grilo
Cigarra e passarinho

16.6.11

Só piora o próprio destino


Aquele que odeia o acontecido
Quando o acontecido nem ao menos se importa
Com o ódio que lhe é dirigido

Seria o mesmo


O vento

Sem o capim balançando
E as ondas do mar?

15.6.11

O tempo não é fonte de certezas


Não se pode prever o futuro
O presente é um ponto inexistente
E o passado uma (frágil) interpretação dos fatos

14.6.11

Desde sempre


Me vejo
na beira da praia
Esperando
que o mar me traga
Você
dentro de uma garrafa

9.6.11

Tanka inspiration 4


Choveu até há pouco
E nas poças da calçada
A lua se banha
Nua e desavergonhada
Mantendo polido o brilho

Ventou forte


A porta do mundo bateu
E me trancou do lado de fora

8.6.11

Haiku inspiration 24


Veste toda a serra
Um manto branco e macio
O céu toca a terra

7.6.11

Mal dobrei a segunda esquina de minha quadra


E já penso as baboseiras relacionadas ao fim de tudo
Não é medo da morte ou do desconhecido
Mas a certeza de ser mesmo falível
E a impossibilidade de não ver como ficarão as coisas no futuro
É sentir alteradas algumas funções
Até então não percebidas
(Só se lembra dos dentes quando eles nos doem)
Mas também há um lado bom nisto tudo
O fato de não dar mais tanta importância ao desimportante
De ver menos urgência no que até então pareceu tão urgente
Acho que é tal da serenidade que chega
E mesmo sem pedir licença
Senta-se para compartilhar a bebida a conversa e a mesa

6.6.11

O espelho engoliu a minha face


Escondeu-a entre as quatro paredes
E me devolveu uma outra imagem

Uma mão bloqueia a minha mão
E o vidro não me deixa atravessar

Venceu-me o tempo em definitivo (admito)
Não há mais o que resgatar

O mar


Chicoteia a rocha
Dia após dia

Faz da pequena fenda
Uma galeria

Ocupa as entranhas
Impõe-se pela teimosia

Ela deseja ancorar seu navio no espaço


Também tendo manter o meu por lá
Mas mas não penso em prendê-lo

3.6.11

Poesia e solidão


Combinam tão bem
Quanto café com pão

2.6.11

O louco


Caminha ao longo da estrada
Fala para si
Olhando o asfalto

Tem por companhia
Um cão magro
Que o segue sempre atrás em um passo

Em sua mente monástica
Brigam
O profano e o sagrado

Santos confusos e orixás mal desenhados
Envolvidos em disputas selvagens
E rituais macabros

Obriga-se a agir
Como justiceiro
Neste mundo de pecados

Com uma lâmina afiada
Corta as mãos
Dos que querem tocá-lo

Persegue e decepa as cabeças
Daqueles que fogem
Tentando deixá-lo

1.6.11

Na noite de hoje


Por longas horas
Ideias multiventaram em minha cabeça

Até sufocarem-me a consciência
O resto foi só calmaria

Acordei com o sol nascendo
Sem reconhecer a praia

A maré tinha lavado todas as marcas
Para outros mundos se foram as referências

Deixou-me a esperar pela próxima embarcação
E uma urgência em ter que fazer novas pegadas