21.12.10

Há vozes dentro de mim


Ditam o que fazer
E em que direção seguir

Demônios presos
Num corpo sonâmbulo
Que pede por descanso

Frases inquietas
Vestidas em traje sob medida

Luz de um farol
Perdido numa ilhota qualquer
De um oceano a ser evitado

Ele faz poesia


(Disse-me um dia)

Para:

Fugir da morte
Cicatrizar o último corte
Descobrir um norte

Garantir que ainda sente
Confirmar que é vivente
Tornar-se transparente

Sair do isolamento
Evitar o esquecimento
Deixar um testamento

20.12.10

À frente nada mais que horizonte


Tudo que para trás ficou
Fundiu-se ao chão

Estrada se tornou
Caminho para os que virão

Recusa-me o mundo


Insisto

Bato-lhe à porta
Sustento o grito

Deixa que fique
O que consegue aceitar

Mas aquilo que mais sou
Nem permite entrar

Só desejo


Que quando te olhar
Diretamente nos olhos
Me enxergue lá dentro

17.12.10

Foi de ti extraído


O pouco que há de bom
Em meus escritos

O amor se alimenta de tempo


Absorve-o com cuidado
E aos poucos cada um dos amantes
Vê do outro detalhes em si incorporados

Ano após ano
Folhas flores frutos
Surgem em ambos os lados

Novos brotos a cada ciclo
Ampliam-se as raízes
E os troncos mais e mais são reforçados

15.12.10

Confiaste em mim


Roseira
Dos espinhos te despi

Até tua última flor
Permitiste cortar

Morreste
Logo que em minha casa te recebi

9.12.10

Com um graveto


Risco o chão
E no sinuoso sulco
Crio um curso

Espero a chuva
Para ver a confluência dos braços
E o rio que será formado

8.12.10

Com o regador atento


E o jardim em curva
Crio minha própria chuva

As roseiras antes adormecidas
Agradecem de vermelho vestidas

7.12.10

Com as mãos em concha


Crio meu pequeno mar
A água escapa por entre os dedos
Velas e remos de nada me servem
Não consigo navegar

6.12.10

Meu amor de hoje


Não é o mesmo de ontem
E nem será o de amanhã

O meu amor de hoje
Nem mesmo mais existe

Quando o sinto já se foi
E logo me invade um novo amor

O amor é uma fornalha


Precisa de um foguista atento
Não resiste à fome
Carinho é o alimento

É uma indócil locomotiva
Só se mantém nos trilhos
Se o maquinista não desviar a vista

O teu toque


É carinho
Não conhece a monotonia

Mão que sempre o traz renovado
E desvenda a sincronia

Horas há em que cresce
E a pele arrepia

Em outras
É o veludo que acalma e silencia

Na confusão das estações


Primavera tem chuva de verão
Copiosas são as tempestades
A enxurrada ainda leva a folha outonal
Ficou frio
Já é tarde

Morreste


Saíste de minha vida
Sem nem pedir permissão

Sem prévio aviso
Ou preparativo

Saíste como quem vira as costas
E simplesmente diz não

3.12.10

Este corpo que habito


E do qual tanto dependo
Quero que continue são
E aos meus comandos atendendo

É o único que tenho
Veículo e clausura
Morada e armadura

Ferramenta do meu amor
Elo com o mundo terreno
Não há substituto (tenho que mantê-lo inteiro)

Em meu quarto sem janela


Desenhei um horizonte
O sol
E o rosto dela

O horizonte me acalma
O Sol me aquece
E o seu sorriso me vela

1.12.10

Não quero saber quanto tempo se passou


Continua frio demais o teu lado da cama
No armário apenas um robe de cetim ainda está pendurado
Minha boca não aceita outras bocas
Minhas mãos temem não mais reconhecer a tua silhueta
Meus braços ainda reclamam a tua presença
Em que lado está aquele pequeno sinal no teu rosto
Não tenho mais certeza