30.6.10

Boca

Hálito
Que convida
Autoriza

Lábios
Que moldam
Selam

Bochechas
Que coram
Sopram

Dentes
Que acordam
Lembram

Língua
Que provoca
Esgrima

Saliva
Que desliza
Facilita

Palato ogiva
Cortina
E a úvula (misteriosa!)

29.6.10

Sob o luar

Deitado na grama
Mente a trabalhar
A elaborar epigramas

O frio é de rachar
Lá se vai o final de semana
Quando irás me perdoar?
Preferia estar na cama

25.6.10

Quem ama viaja

Transforma
Quarto em oceano
Cama em barco
E lençóis em magníficas velas

Às tormentas se sujeita
E com prazer
As enfrenta

Timoneiro
E imediato
Alternando sabedorias
E tarefas

Olhares
Silêncios
E cumplicidades

Em busca de águas mais calmas
De um porto seguro
Colecionando pelo caminho estrelas
Intimidade com rotas e bandeiras

Amar exige atenção e exagero

Por não haver nada mais importante
No mundo
E em todo o universo
O ser amado
Deve estar no foco do teu telescópio
Sempre

Tem que ser visto
Ouvido
Ter os gestos decodificados
Deve ter explorado o seu raciocínio
Entendido
Sempre

Em tudo que faz
Tudo que pensa
Nos seus mínimos passos
Todos os seus caprichos
Deve ser seguido
Sempre

Mesmo que por vezes o não seja a resposta
Que a recusa tenha que ser imposta
E a melhor atitude seja a poda
Deve ser convencido
Amparado
Sempre

24.6.10

O verdadeiro amor

Mesmo que visto como um tanto idoso
Não precisa dar provas
De ainda estar vivo

Sabe-se como que por decreto

Tem a seu favor a história
O tempo o prazer e a dor
As cicatrizes de tudo que foi vivido

A amalgamada fusão de almas
A cumplicidade simbiótica dos humores
O eutrofismo dos sentimentos

O perpétuo carinho

Todos os ciclos
E revezes das naturezas
Juntos vencidos

Tento me manter ausente

Mas não consigo
Sou cercado nos cantos
Acuado por meus escritos
Forçam-me a libertá-los
Não aceitam compor montanhas
Precisam respirar
Sentirem-se lidos

23.6.10

Nela encontro

Quase tudo que havia de você

O mesmo aroma nos cabelos
A mesma força no abraço

O mesmo sorriso permissivo e dúbio
A mesma mão macia

O mesmo contornável pudor
A mesma umidade da pele na minha dobra preferida

O mesmo arfar satisfeito
A mesma dilatação da pupila

O mesmo despreendimento na entrega
A mesma exaustão sincera

O mesmo sabor na saliva
A mesma recusa na partida

Nela só não encontro em qualquer de seus compartimentos
O meu amor instalado

Pois no teu coração
Recusou-se a acatar a ordem de despejo

22.6.10

Não te incomodes

Com as lágrimas
Que me escorrem na face

Em silêncio
Te vejo na distância partindo

Não ficaram mágoas
Nem feridas a serem reparadas

O amor
A mim mostrou

Que a felicidade não espera
E é preciso alcançá-la

Árvores

Que se curvam com facilidade
Ou se quebram
Quando atingidas por um vento mais forte
Só deveriam ser plantadas
Abrigadas em densos bosques

21.6.10

Amor e poesia

Precisam ser livres
Sem amarras ou diretrizes

Caminhos pavimentados pela verdade
Desde o princípio

Fluxo comedido e limpo
Compasso apenas sugerido

Felicidade sem artifícios
E dor sem superlativos

Para que ao deixarem o mundo
Não se afoguem no vazio do que foi apenas dito

E possam imergir em lágrimas
Pelo tempo que for preciso

Te veem como noite perene

Mas para mim és dia
Desde sempre

Solar e inebriante
Faísca ofuscante

Excesso
E transbordo

Não os culpo
Pois não entendem

A tua luminosidade
O teu fogo

Mata-me

Sufoca-me com tua dor

Não esperes o fim da chuva
E nem que se esgote a ternura

Se preciso for
Cega-me antes

Não permitas que eu veja
(Mesmo que distante)
Agonizar o nosso amor

16.6.10

A chita

Não repete no avesso
A mesma exuberância da cor
Que está na superfície que vi
E incitou o meu desejo

Temo não conhecer-te

Me conte
Tudo

Repasse tuas histórias
Mais mil vezes

Quero-as todas (principalmente)
Aquelas em que não estou

Preciso compreender-te
Completamente

De novo
E sempre

8.6.10

Dedos de mar

Olhos marejados
Noite e luar

Palavras vão
Palavras vem

Sons esparços
Dúvida e desdém

Na praia
Lábios cerrados
Areia revolta

A espuma branca e azeda
É só o que me brota
Pelos cantos da boca

2.6.10

Escrever não nos faz (necessariamente) escritores

Meus escritos surgem como uma necessidade
Por vezes produtos de partos bem conduzidos
Outras como de incoercíveis vômitos

E como com os répteis
Pouco depois de paridos
São largados no mundo por sua conta e risco

Mas se acaso com algum deles por aí encontro
Como pai zeloso
Mando colocar a camisa para dentro da calça
Verifico unhas orelhas e lhe dou um troco

Não costumo procurar por eles
Acho mais fácil deixá-los como estão
Nestas horas sou um pai displicente
Não lhes dou mesmo educação

(É grande a preguiça)

1.6.10

Hoje senti na pele

O quão distante está
Desde que abandonou-me
A mocidade

Terminou nossa agonia

Desde que consegui separar-me de ti
Ajudar-te a alçar voo
E conseguir que te juntasses às garças
Já unidas para a longa jornada
De volta ao outro hemisfério

No jantar

O frio que entrava pela janela
A tudo vestiu com seu silêncio

Tornou a sopa intragável

Incomensurável manto
De amargor e ressentimento