31.10.08

Tea for two


Não não
Em absoluto
Não há do que se desculpar
Não me importo em ser acordado na madrugada
O motivo é mais do que justo
A rotina nos têm roubado esses momentos
Temos que honrar os débitos todos
Faça-nos este favor
Permita que continuemos felizes

30.10.08

Prima volta


Aliviar os lastros
Buscar naturalidade na ação
Ater-se só aos sentidos

Romper os lacres
E adentrar segredos
Com suavidade

Movimentar-se em terras seguras
Para que a vida flua lenta
Como um rio

Que não nos seja um fardo
Ao contornar as curvas
Sempre tão bem vindas

29.10.08

Quanto mais você me bate mais eu gosto!




Esta história atravessou a minha cabeça hoje pela manhã bem cedo, entre duas estações do metrô, num momento de quase hipnose.
Confesso que depois cheguei a achar que foi fruto da minha imaginação, será? Em todo caso:

- E mesmo assim ela foi arrumar barriga com um tranqueira desses?
- É o que todo mundo pergunta. Mas ela diz que só descobriu isso depois que já tava grávida. Foi aí que ele começou a falar e fazer essas coisas todas.
Desta vez, o problema começou quando ele chegou da rua falando que criança precisa mesmo é só de quatro peças de roupa. Que foi criado dessa forma e que com filho seu não ia ser diferente!
Ela ficou indignada e perdeu a cabeça. Chamou ele de vagabundo, sem vergonha e que explicasse como iria se virar desse jeito. Precisaria fazer milagre!
Aí ele deu logo a solução: disse que usasse uma peça por dia. Enquanto uma estivesse em uso, a outra teria que ser lavada, a terceira secando no varal e a última pronta pro uso.
Ela ficou furiosa e o pau comeu feio. Avançou de unha prá cima dele, disse outras barbaridades que não dá nem pra repetir aqui e que de agora em diante ele ia ter que trabalhar e parar com suas saídas diárias pro pagode e sem hora prá voltar. Que ia ter de dar dinheiro em casa direitinho, porque do contrário...!
Aí quem ficou louco foi ele. E como já tava meio alto mesmo, não custou nada. Deu-lhe logo uns três ou quatro catiripapos, deixou ela falando sozinha e saiu de novo.
O resultado foi isso que você acabou de ver lá no pronto socorro.
O pior é que o médico já avisou que daqui a pouco ela vai poder ir embora.
Agora, advinha pra onde é que ela vai voltar correndo?

27.10.08

Apesar do concreto


(Artista: Renato Neves)

As pitangueiras da Paulista estão em festa
E olhe que não são poucas

Em seus nichos
Como qualquer urbanóide
Padecem de pequenos deslizes psíquicos
São neuróticas obsessivas

Vivem o superlativo da cidade
Surpreendem a primavera carregando-se de frutos
Aromas e sabores como dos melhores pomares
Desejam tão somente a posteridade

As calçadas tingidas de vermelho
O negrume oxidado do sumo e as sementes pisoteadas
Denunciam esta presença

Estão lá e quase ninguém as vê
A pressa nos cega
Nunca as tinha notado
Mesclam-se com o cenário e resistem
Por maior que seja a indiferença

17.10.08

Karamázov


O vazio e o silêncio
Imperiosos
Necessários à imersão

Escuridão absoluta

Não suportar o que se ouve ou vê
Desejar desesperadamente
Ruído e as peças todas no tabuleiro

Chaufeur


Dia alto
Sol quase a pino
Há anos a história se repete
Volta para casa um trapo
Lábio inchado
Crostas de sangue na boca
Vômito na gravata
Apenas um sapato
Um hálito acre insuportável
Arrasta-se
Trança as pernas mas chega
Sempre chega
Desaba na cama como se desligado da tomada
Tem um sono abissal
Quando acorda já é noite
Perfila-se como se nada acontecera
Faz um rigoroso toilette
Veste o terno já arrumado e disposto na cadeira ao lado da cama
Toma uma primeira dose e recupera o brilho do olhar
Renasce para a busca
Está sempre só
Peregrina sem saber o que procura
Apenas segue sentindo que a busca é necessária
E maior que ele

Lonely


Humor frágil
Equilíbrio precário
Calor abafado
Metrô lotado
Um toque
Quase ao acaso
Um braço
Sem querer um abraço
Apenas um beijo
Um pouco mais de aperto
Solavanco
Vento que entra
Pessoas que saem
Silêncio
Nenhum olhar
Nem mesmo adeus
O apito
Próxima estação

Primum non nocere


Doido sei que não sou
Mesmo que digam o contrário
Tive alta nesta semana
E me sinto mais do que curado

Maluco nunca fui
Sou certinho até demais
Admito tenho lá minhas manias
Mas respeito meus iguais

Minha mãe comigo se assustava
Meus irmãos de mim corriam
Só porque montava guarita
Junto ao caixão dos que se iam

Só não agüento é gente ruim
Dessas que só querem se aproveitar
Se percebo que esse é o caso
Passo a faca e deixo sangrar

Se não me afino com alguém
Esse tem é que correr
Porque se acaso eu pegar
Com certeza ninguém vai gostar de ver

Desde que saí
Não fiz maldade nenhuma
Ajudei até o açougueiro
A destrinchar rês no dente e na unha

Confesso que gostei
E sinto que faço com amor
Quando trisco a lâmina na carne macia
Imagino o bicho estrebuchando de dor

Acho que é disso mesmo que vou viver
Usando o que sei fazer de melhor
Para não mais matar ninguém
E não de deixar viúva em situação pior

8.10.08

Pullover


Londres
Vento incessante
Gélida navalha
Apenas cinza e marrom
Espírito arranhado
Um par de arestas quentinhas
Meu refúgio e restauro
De suculento turgor
Vértice receptivo
E divino bouquet

6.10.08

Love is a serius business



Logo pela manhã
Retoco a tela com pinceladas suaves
E atenuo a luz daquele céu
Que na noite anterior já me parceria de um azul perfeito

2.10.08

Samsara


É que a maçaneta nunca esteve tão alta

1.10.08

O que mais me espanta é que não há arrependimento (VI)


Bastaria que pela manhã me voltasse para ela e deixasse claro que sua presença ali continuava sendo importante