E nem precisaram de muito tempo
Para que se entendessem
Melhor até que a si mesmos
Permitiram-se um acesso
Sem reservas
E disso nunca se arrependeram
Gravaram na memória
Cada olhar cortejado
Cada avanço negociado
Cada toque mais ousado
Cada palavra murmurada
Ou cantada como numa ária
Fizeram dançar as línguas
Alimentaram-se com suas salivas
Dormiram aninhados
Comparando as topografias
Pondo atenção no entendimento
De cada detalhe do relevo
Estreitaram suas vidas e suas rotinas
Trocando juras de amor
Respirando o mesmo vapor
Rindo quando a fornalha acendia
Alagando de sentimentos
Todos os compartimentos
Visitaram sensações inusitadas
Que sozinhos jamais seriam alcançadas
Ajudavam-se puxando um ao outro
Para que chegassem juntos
Ao cume do morro
E apreciassem de lá a paisagem
Mas veio a guerra
E acabaram em lados opostos
Seus povos tornaram-se inimigos
E se viram em situação de conflito
Matando semelhantes
Sem nem mesmo entender o motivo
Quis o destino que se encontrassem
novamente
Mas desta vez com sangue nas mãos
E dispostos ao extermínio
Reconheceram-se prontamente
E a morte só não aconteceu
Porque a mão não obedeceu
Não tiveram forças para acionar o
gatilho
E com os olhos baixos e sem nada falar
Cada um deixou o outro passar
Seguindo em frente no seu caminho
Sabendo que jamais seriam capazes de
apagar
O que um dia foi infinito
Hoje não existem mais perspectivas
Se acham confinados em trincheiras
Cavadas em seus próprios domínios
Abriu-se entre eles um abismo
Mas cultivam em segredo as lembranças
De como um dia foram felizes
Tudo que lhes restou de palpável
Ficou resumido nas fotos de um pequeno
álbum
Umas poucas imagens para que lembrem
Que o que viveram não foi sonho
Aconteceu neste mesmo mundo, num tempo
recente
E que ainda não se sentem assim tão
diferentes
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