Céu limpo de um azul profundo
E ainda escuro
O amanhecer chega devagar
Cheio de nuances
Cores divergentes e encantamentos
Para onde quer que o olhar se lance
Pintura executada por alguém
Que na certa entende bem daquilo que faz
E o faz direito
E o faz direito
Paro num semáforo
E uma mancha escura se aproxima
Uma figura humana
Muito suja e maltrapilha
Cabelos espetados
Rosto transfigurado
Rosto transfigurado
Um paninho puído amarrado no punho
É o craqueiro daquela esquina
Lembrei já tê-lo visto outras vezes
Sem repará-lo direito
Nesta mesma avenida
Chega junto ao carro
Pegunta se pode limpar os vidros
Fala de forma truncada
E pede uns trocados
Vão ficar ainda mais sujos
Pensei
Pegou-me desprevenido
Concordei
Faz tudo muito rápido
Tem o tempo como adversário
Está em nítida abstinência
Está desesperado
Completa o serviço
Separo algumas moedas
Dou a entender que já é suficiente
E de dentro sinalizo para que receba
Apanha o bônus com um sorriso tenso
Mas surpreendentemente largo
E me estende aquela sua mão imunda
Que inexorável
Através janela me invadia
Deixou-me sem jeito
E sem pensar aceitei o cumprimento
Senti força
Sinceridade e agradecimento
Naquele gesto ordinário
Naquela simples formalidade
O farol se abre
Sigo em frente de volta ao roteiro
Com a brisa fria no rosto
O azul agora muito claro
E um sol gigantesco
Já redontamente ocupando o retrovisor direito
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