31.3.17

Aquilo que nunca nos dissemos


Ficou sempre escondido
Subentendido
Imerso entre versos

Na canção
Estivemos atentos ao sentido da letra
À melodia, ao ritmo

E nos incomodamos muito
Com o andamento
E excesso de pausas que nunca terminam

O refrão grita, chora
Se contorce na ira
E depois sumariamente silencia

De comum acordo trocamos de partitura
E assim outra oportunidade de corrigirmos
O andamento da música foi perdida

30.3.17

Se insistires


Em voar
O tempo todo sobre o mar

Não terás como encontrar
Um lugar para pousar

E quando nesta insensata jornada
Tua força se esgotar

Entenderás que à noite
Não existem térmicas para te elevar

29.3.17

Só há amor


Quando nos sentimos importantes
Carregando no íntimo a certeza
De que a nossa presença é relevante
E faz toda a diferença

Às vezes é estranha a constatação
De que embora o discurso seja de paixão
A atitude que se observa
Não é exatamente a mesma

28.3.17

Preciso do teu amor


Mais do que de água para viver
E é por isso
Que sem resistir
Me afogo em ti
Pois assim
Não o corro risco de morrer

27.3.17

Tens que ter mais cuidado


Pois tentando fazer tudo ao mesmo tempo
Acabas por não concluir nada direito

Com apenas dois braços
Não tens como abraçar o mundo inteiro

As coisas vão caindo, se quebrando
Ficando pelo caminho

Até que impedida de continuar
Percebes que teus pés estão cravejados com cacos de vidro

24.3.17

Com o bisturi


Se corta
E se faz cirurgia
Com a palavra
Se ilumina
E se faz poesia.

O bisturi exige o conhecimento
Aprendido de fora pra dentro.
A poesia o esclarecimento
Do que é sentido de dentro pra fora.
Ambos instrumentos
Ferramentas preciosas do entendimento.

O bisturi disseca a matéria
Escancara a lógica do corpo
E seu funcionamento.
A poesia traduz a alma
Aquilo que nos faz humanos
Nada mais
Nada menos.

23.3.17

Querida


Os incomodados
Que simulem

Ou cuidem
Das feridas

22.3.17

Minha musa


Com minhas ideias geralmente comunga.
Mas não raro irrita-se com meus pensamentos
Quer mandar em meus comportamentos
Colocar sua ordem na minha bagunça.
Menospreza o que em mim não entende
E mesmo assim se arrisca e me julga.
Comete injustiças por vezes absurdas
Mas apesar de tudo não me causa maiores ferimentos
Acho que no fundo achamos o nosso jeito
E nos entendemos sem termos que recorrer a loucuras
Do contrário não seriam dela os meus sentimentos
Penso que aceitamos bem a recíproca de nossa escravatura.

21.3.17

Vociferavas


Exigindo que eu te deixasse em paz
Que te obedecesse
E parasse de te visitar

Alegavas que do jeito que as coisas iam
A morte de um de nós
Aconteceria numa questão de dias

E agora aqui contigo nos braços
Dribladas tuas artimanhas
Que tentam a todo custo me afastar

Pedes
Suplicas
Que eu nem pense em te soltar

Que te sufoque de beijos
Que te abrace forte
Até parares de respirar

20.3.17

Depois de tanto tempo


No alto da colina
Sentado na varanda
Balançando na cadeira
Vejo passar o trem de minha vida
Pareando memórias
Com o que a paisagem mostra
Posso ter uma epifania
Um ataque de ira
Um choque de realidade
Ou tudo se revelar
Uma grande bobagem

Hoje
Não há espaço
Para fantasias do passado ou miragens
E o que de fato importa
É que o trem da minha cidade
Não costuma atrasar
Após o apito
Fecha a porta
Não atende mais a nenhum grito
E se coloca a rodar
Obedecendo ao que está escrito

17.3.17

Eu queria que soubesses


Que hoje o coração silenciou
E o que de fato ficou
Foi uma outra forma de amor
Que comporta a saudade mas não a dor

16.3.17

Engana-se quem pensa


Que se morre apenas uma vez
Identifico pelo menos três momentos
Não excludentes em que isso pode acontecer

O primeiro é quando morremos para o mundo
E o fim da carne
Simplesmente nos faz desaparecer

O segundo é quando morre a pessoa que nos ama
Nos leva junto sem que nada possamos fazer
E só dentro dela é que ainda mora esse benquerer

E o terceiro é quando precisamos morrer
No interior de quem não mais nos ama
Para liberar espaço e acomodar um outro alguém

15.3.17

Este amor


Não é o do hoje
Mas o de um outro tempo
Uma outra forma de querer.
E ainda que no passado
Não tenha sido reconhecido
É pra lá que deve ser devolvido
E precisará permanecer.

14.3.17

Não há tempo ruim acima das nuvens


Que seja este o reino
Em que finalmente conquistes
O fim das tuas dores
E a tua tão merecida paz.
Agora vai e descansa tranquila
Mãezinha querida
E leva contigo a certeza
De que o amor e a saudade
Nunca irão te abandonar.

10.3.17

Trago dentro de mim


Uns bichinhos
Que me sufocam
Me confundem o entendimento
Me imobilizam o pensamento
E não me deixam em paz.
Mas não os consigo vomitar
Chutar-lhes os traseiros
Botá-los pra fora
Expurgá-los inteiros
Xingá-los como merecem
E fechar as portas
Impedindo-os de voltar.
Às vezes surgem sorrateiros
E logo vejo que são muitos
Mostram-se sempre zombeteiros
Arruaceiros
Fazendo algazarras
Ameaças
Tripudiando de tudo
Afirmando que sou cativo
E que nunca mais vão me deixar.
É assim que tenho vivido
Como prisioneiro desses demônios
Verdadeiros parasitas viscerais
Mas agora que você está comigo
E se quer mesmo ajudar
Precisamos de um plano efetivo:
Terá que ficar ao meu lado
Colada ao meu corpo
Pelo tempo que for preciso
Pois assim que eu avisar
Ou no exato momento
Em que deixarem visíveis
Seus chifrinhos
Seus rabinhos
Ou forem ouvidos seus sarcásticos risinhos
Terá saber precisamente aonde estão
Em quais orifícios
Para arrancá-los com a mão
Um a um
Sem titubear
Ou pensar nos riscos de mutilação.
Confiná-los num baú reforçado
Atado com grossas correntes
Trancá-lo com vários cadeados
Desaparecer com as chaves
Levá-lo urgentemente
Para um lugar distante e deserto
E enterrá-lo o mais fundo que conseguir
Para que nunca mais seja encontrado
E a vida assim possa prosseguir
Sem que sejamos incomodados
Por esses encapetados mirins.

9.3.17

...como o astronauta


Que valoriza mais a nave
Seu veículo
Que o próprio infinito

Não consegue ver no céu
A beleza das estrelas
Que deveria ser de fato seu objetivo

8.3.17

Recuso-me a fazer a cama


Que até há tão pouco tempo
Nos servia
Seria fechar um ciclo
E a isso eu não me permitiria

7.3.17

Meu amor


Se impõe de forma bruta.
Por onde passa
Desajeitado
Esbarra
Derruba
Machuca.
A cada incidente
Pede desculpa.
Mas por ter a certeza
De que é real
Não recua.

6.3.17

Pressionas teu corpo


Quase rompendo a vidraça
Enquanto olhas para o vulto
Que no escuro
Sob a tempestade
A passos largos se afasta.
Teu desespero é tanto
Que com o rosto
Besuntado de maquilagem e lágrimas
Desenhas no vidro uma grotesca máscara.
Pintura pasma e abobalhada
De quem não aceita
Não acredita
Que mesmo um amor verdadeiro
Um dia fracassa.

3.3.17

Me machuquei muito


Quando insisti em te amar.
E aquilo que pensava eterno
Tão rápido como veio
Terminou sem avisar.
Todos viram
Só eu é que não vi.

Rastejei
Implorei
Me humilhei
Me diminui.
Disseram que não era eu
Nem mesmo eu me reconheci.

Cedi bem mais do que recebi.
E agora depois do fatídico desfecho
Admito que todo o tempo
Estive consciente e voluntariamente concedi.
Por isso juntei todo o prejuízo e tratei logo de assumir
Pois não me arrependo de nada do que vivi.

2.3.17

Pobre daquele


Que se faz cais
E suas lembranças são correntes
Que impedem o amor de zarpar.
Vive atado a um corpo inerte
Que desfigurado apodrece
Condenando-se apenas a ficar
Vendo o tempo passar.

1.3.17

Frequentemente me invade


Uma enorme preguiça
De tentar entender o mundo

Por isso escrevo

É mais fácil conceber
Uma visão própria sobre tudo